Ir para o conteúdo
Ir para o menu
Ir para a busca
Ir para o rodapé
Acessibilidade
A+
A-
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o
VLibras
.
Habilita ou Desabilita o contraste de cor na página.
Área Restrita
Intranet
Twitter TRT1
Instagram TRT1
Youtube TRT1
flickr TRT1
Pesquisar
Pesquisar
Toggle main menu visibility
Institucional
Quem somos
Agenda da Presidência e da Corregedoria
Composição da Administração
Administração Superior
Diretoria-Geral
Secretaria-Geral Judiciária
Secretaria de Auditoria Interna
Secretaria-Geral da Presidência
Colegiados Temáticos
Órgãos Julgadores 2º Grau
SEDI
SEDIC
Turmas
Órgão Especial
Desembargadores por Antiguidade
Corregedoria
Apresentação
Apresentação da Corregedoria
PJe COR - Acesso ao sistema
Apoio à Execução
Listas de Juízes
Designações e Férias
Agenda de Trabalho Presencial de Juízes
Correições e Inspeções
Provimentos e Normas
Convênios Judiciais
Outras informações
Governança e Estratégia
Governança
Gestão Estratégica
Gestão de Riscos
Escola Judicial
Principal
Principal da Escola Judicial
Institucional EJ
Cursos
Pesquisa
EJ Virtual
Contato
Contato da Escola Judicial
Audiências públicas
Audiências Públicas da Escola Judicial
Notícias
Notícias da Escola Judicial
Fóruns de direito
Fóruns Gestão
Editais
Publicações
Inova Juiz
Adicional de Qualificação
Endereços e Telefones
Busca de Telefone
Lista completa segundo o organograma
Varas do Trabalho e Postos
Concursos e Estágios
Magistrados
Servidores
Estágios
Responsabilidade Socioambiental
Página Principal
Ações Desenvolvidas
Aconteceu
Legislação
Legislação da Responsabilidade Socioambiental
Plano de Logística Sustentável
Gestão documental e da Memória
Gestão Documental
Gestão da Memória
SGC em Revista
Priorização do primeiro grau
Inicial
Atos, resoluções e portarias
Atas das reuniões
Links Importantes
Centro Cultural
Principal
Principal do Centro Cultural
Apresentação
Apresentação do Centro Cultural
Administração
Eventos Anteriores
Legislação
Legislação do Centro Cultural
Palavras no TRT
Contato
Contato do Centro Cultural
Centro de Inteligência
Inicial
Regulamentação
Composição
Atas de reuniões
Notas técnicas
Rede de Inteligência
Estrutura Organizacional
Organograma
Siglário
Manual de Atribuições (HTML)
Serviços
Processos
Consulta Processual
Esse é um teste
Balcão Virtual
Notificação por WhatsApp
e-Carta
Pautas, Atas e Decisões
Serviços Push
Página Principal Serviços-Push
Consulta atas por número do processo (processos físicos - SAPWEB)
Processos Arquivados
Consulta Praça e Leilão
Precatório/RPV
Precatórios
Acompanhamento de Pautas de Audiência
Processos Aptos a Julgamento
Processo Judicial Eletrônico
Conciliação trabalhista
Cooperação Judiciária
Sistema e-Doc
Plantão Judiciário TRT 1º Região
Processos aptos para digitalização
Execução Trabalhista
Calendário
Atermação Online
Biblioteca Ministro Carvalho Junior
Biblioteca
Principal da Biblioteca
Regulamento
Saiba Mais
Pesquisa Bibliográfica Trabalhista
Sumários Jurídicos On-line
Consulta ao acervo
Biblioteca Digital
Cadastramento
Advogados
Peritos
Entes Públicos e Procuradorias
Certidões
Certidão de Feitos Trabalhistas
Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas
Conferência de Assinatura Eletrônica
Audiências e Sessões
Outras informações
Atualização Monetária
Tabelas Processuais Unificadas
Semana de Execução Trabalhista
Links Úteis
Links úteis de Outras Informações
Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho
Depósitos Judiciais/Recursais, Custas/Emolumentos (GRU) e Guias GPS
Glossário Jurídico
Leilões Judiciais
Como participar
Calendário de Leilões
Resultados
Leiloeiros e corretores cadastrados
Cadastramento de leiloeiros e corretores
Acessibilidade
Carta de Serviços
Aposentados, Pensionistas, Cedidos e Desligados
Principal
Principal de Aposentados e Pensionistas
Formulários
Recadastramento
ERGON (Acesso ao contracheque)
Adicional de Qualificação
Credenciamentos
Credenciamentos Diben
Sistema eConsig
Entenda o Cálculo da Nova Alíquota de Previdência
Servidores e Magistrados - Plano de Saúde
Ergon On-line
Portal PROAD
Notícias
Área de Imprensa
Destaques Jurídicos
Últimas Notícias
Galeria de Fotos
Programa de Combate ao Trabalho Infantil no TRT/RJ
Principal
Ação social do TRT1ª Região
Notícias
Notícias do Trabalho Infantil
Legislação
Legislação do Trabalho Infantil
Links Úteis
Links úteis do Trabalho Infantil
Divulgação
Jurisprudência
Bases Jurídicas
Consulta Acórdãos
Consulta Sentenças
Acórdãos até 2006
Ementários de Jurisprudência
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região
Boletins de Jurisprudência
Revista Eletrônica
Uniformização de Jurisprudência
Casos Repetitivos e Precedentes
Teses firmadas em IRDR
Súmulas e Teses Jurídicas Prevalecentes
Precedentes do Órgão Especial
Transparência
Carta de Serviços
Apresentação
Apresentação da Carta de Serviços
Conhecendo a Justiça do Trabalho
Mapa Estratégico
Compromissos com o Atendimento
Horário de Atendimento ao Público
Serviços Processuais
Serviços de Comunicação, Informação e Pesquisa
Serviços de Apoio ao Cidadão
Endereços e Telefones
Contas Públicas
Execução Orçamentária e Financeira
Plano Anual de Contratações
Licitações
Contratos
Contratações Lei 13.979/2020
Compras
Empresas Apenadas
Diárias e Passagens
Quantitativo de beneficiários por benefício
Suprimento de Fundos
Obras
Relatório de Gestão Fiscal
Listagem de Veículos Oficiais
Proposta Orçamentária
Mapa Demonstrativo de Execução Orçamentária
Plano Anual de Aquisições
Cessão de Uso de Espaço Físico
Demonstrações Contábeis
Despesas
Transparência na Gestão Pública
Anexo I - Gestão financeira consolidada por mês
Anexo II - Informações orçamentárias consolidadas por ano
Anexo III - Estrutura Remuneratória
Anexo IV - Quantitativo de Cargos Efetivos
Anexo V - Membros e Agentes Públicos
Anexo VI - Empregados de empresas contratadas em exercício nos órgãos
Anexo VII - Servidores ou empregados não integrantes do quadro próprio em exercício no órgão sem exercício de cargo em comissão ou função de confiança
Anexo VIII - Folha de Pagamento de Pessoal
Anexo IX - Valores repassados para o INSS e Fundo de previdência
Quadro de Rubricas
Atos de Provimento e Vacâncias
Tabela de Lotação de Pessoal
Listagem de magistrados do TRT/RJ em atividades docentes
Listagem de servidores exercendo funções em outros órgãos
Listagem de teletrabalhadores do TRT/RJ
Listagem de estagiários
Audiências Públicas
Audiências Públicas em Transparência
Documentos classificados/desclassificados por grau de sigilo
Relatórios de Atividades
Integrantes de Conselhos Externos e assemelhados
Informações contábeis do Superávit - EJ1
Lista dos Juízes afastados para exercício em outros órgãos (atualização em 23/7/2019)
Estatísticas
Dados das Varas do Trabalho
Produção dos Magistrados de 1º grau
2º Grau
Painel das Metas Nacionais
Relatórios conforme Resolução CNJ Nº 76/2009
Bases de dados para download
Auditoria
Resultados de Fiscalizações
Planos de Auditoria
Certificação de Contas
Prestação de Contas
Formatos de dados abertos
LGPD
Cadastro de Imóveis
Legislação
Menu Legislação
Atos
Editais e Avisos
Emendas Regimentais
Ordens de Serviço
Portarias
Provimentos
Resoluções Administrativas
Legislação de Outras Fontes
Atos Normativos em Geral
Regimento Interno
PDF
ODT
Código de Ética dos Servidores
Prestação de Contas
Ouvidoria
Sobre a Ouvidoria
Apresentação
Canais de acesso - passo a passo
Legislação
Notícias
Notícias da Ouvidoria
Galeria de ex-Ouvidores
Formulário de Ouvidoria
Acompanhe a Manifestação
Acesso à Informação
Formulário LGPD
Podcasts Temáticos
Carta de Serviços
Dúvidas Frequentes
Ouvidoria da Mulher
Pesquisa de Satisfação / Confiança
Relatórios
Informações Úteis
Contato
Contato
Achados e Perdidos
Formulário de Contato
Endereços e telefones
Saiba sobre o seu processo
Seu navegador de internet está sem suporte a javascript, por esse motivo algumas funcionalidades do site podem não estar acessíveis.
TRT1:
Início
/
Institucional
/
Gestão documental e da Memória
/
Gestão da Memória
/
Programa de História Oral
/
Revista Anna Acker
/
Revista Anna Acker
Ir para página
de
.
Sumário
Apresentação
Apresentação Em continuidade ao Programa de Memória Oral do TRT/10 Região, foi realizada na tarde do dia 15 de outubro de 2008, entrevista com a Juíza Anna Brito da Rocha Acker, que contou com a participação do Chefe da Seção de Gestão de Documentos (SEGED), João Roberto Oliveira Nunes, do Chefe em Exercício do Setor de Gestão de Memorial, Marcelo Barros Leite Ferreira. Drª Anna Acker, viveu todo o desenvolvimento da Justiça do Trabalho desde a década de 50, como estudante do Curso de Direito, advogada do escritório de Sinval Palmeira e magistrada, ingressando no primeiro concurso público para Juízes deste Tribunal Regional do Trabalho da 10 Região. Dentre os assuntos abordados destaca-se a sólida formação familiar e estudantil, os primeiros anos como advogada, o ingresso na magistratura trabalhista, a evolução do Direito do Trabalho e a formação e o papel do magistrado no passado e nos dias de hoje. Objetividade e franqueza foram características que permearam esta entrevista.
Sumário 1. Apresentação. Dados familiares. Infância e estudos em Minas Gerais. “O meu orgulho era ser boa aluna”. Prova para a faculdade de Direito de Belo Horizonte (1947). “(...) em Direito não existe nada de científico a não ser o raciocínio lógico”. 2. Casamento, vinda para o Rio de Janeiro. Trabalho com Sinval Palmeira. Presidentes e Estadistas. Lembranças pessoais. 3. Concurso para a Justiça do Trabalho. Perseguição de Pires Chaves. Preferência de Pires Chaves por candidatos de famílias tradicionais. 4. Evolução do Direito do Trabalho: FGTS, Constituição de 1988. Papel do Ministério Público. A dificuldade da execução no processo trabalhista. 5. Personalidade e atos do juiz Pires Chaves. A inspeção das fichas funcionais pelo DOPS durante a Ditadura. 6. A turma de 1937 da Faculdade Nacional de Direito. 7. Perseguições e arbitrariedades sofridas durante a Ditadura. Sobre a representação classista. 8. Degradação dos quadros de pessoal do TRT devido a interferências externas nas carreiras.
9. Problemas na liquidação das sentenças, as distribuições dos recursos em fase de execução para Turmas do Tribunal. A importância do juiz de 1º Grau: a tomada de provas nos processos. 10. O conhecimento da lei e o exercício do debate no Direito. A lei é social: “trabalho, emanação da vida”. O Direito do Trabalho, seu aparecimento recente. A desvalorização da noção de trabalho. 11. Sobre a representação dos procuradores e dos advogados para a JT. Sobre a figura do juiz; aptidão, escola de magistratura. 12. Considerações finais: significado de ser servidor público; o atual estado de coisas.
Dra. Anna: Boa tarde. João: Em continuidade ao programa de Memória Oral do TRT da 1ª Região, estamos entrevistando hoje Dra. Anna Acker. A senhora pode começar o seu depoimento falando um pouco da sua formação, da sua vocação, como é que surgiu o Direito na sua vida... Dra. Anna: Primeiro - para não ser injusta com meu pai -, Anna Brito da Rocha Acker. Porque o Acker que eu uso até hoje é o nome de família do pai do meu marido. Não sei se você sabe que a Alemanha, de tanto perder nomes ilustres por causa da prevalência do nome masculino, adotou, pela primeira vez no Código Civil Alemão, a possibilidade de os dois adotarem um mesmo nome ou cada um conservar o seu nome; o que, aliás, nós conseguimos transcrever para o nosso Código Civil. Isso foi trabalho da Comissão... Comissão de Mulheres, que foi... Discutiram o texto do Código Civil no Congresso Nacional, ainda no tempo do governo militar, e que nós... por exemplo: se pudesse colocar o nome, quer dizer, os cônjuges poderiam adotar o nome comum, formado com o nome de família dos dois ou poderia cada um conservar seu nome. Aliás, coisa que, no Direito brasileiro, nunca foi proibido que a mulher conservasse só o seu nome; mas, por tradição, elas adotavam. Se vocês virem os nomes de famílias das mulheres portuguesas antigas, elas não usavam os nomes dos maridos, elas conservavam o nome de solteira. Mas, então, para ser fiel, na verdade, o meu nome todo, o nome que recebi ao nascer, é Anna Péret Brito da Rocha. O Péret é da minha mãe. Do pai da minha mãe. Tem também
o Neves, que era da mãe dela; ela também não pôs. Sempre o lado feminino ficou desprezado, daí a necessidade de você... Primeiro caso na história, que eu conheço, foi na França, em que Joliot Curie... e tanto que Joliot Curie, que se casou com a filha do casal Curie - que era Pierre e Marie Curie, que era Maria Sklodowska (era polonesa). Eles tiveram duas filhas e uma delas foi como os pais: seguiu a carreira de Física e se casou com o [Frédéric] Joliot. Eles também são prêmio Nobel de Física e ele... Eles, quando se casaram, ele requereu ao Conselho do Estado da França o direito de usar Joliot Curie, porque o nome ia desaparecer, já que não tinha havido descendência masculina. Então - só para ser fiel ao meu nome -, meu nome é Anna Péret de Brito Rocha. Só está num documento e, desgraçadamente, não é brasileiro: é o meu passaporte europeu. Lá está: nascida... e tem o nome, o nome de família que eu tinha, que eu recebi ao nascer. Mas, é hoje Anna Brito da Rocha Acker; e o Acker é o sobrenome do pai do meu marido, que era alsaciano. Bom, eu nasci no Rio, na Rua Universidade nº 132, casa 2, na Tijuca. Uma rua que hoje se chama Deputado Soares Filho. Eu... Meu pai era comerciário. Tinha sido ferroviário, mas, como o padrasto dele se desentendeu lá com a direção da Oeste de Minas quando a... Depois que a Oeste de Minas tinha saído... tinha tido a sede transferida para Belo Horizonte... com a nova capital... ele se desentendeu, e saiu, e veio para o Rio. Naturalmente, com a minha avó. E veio trabalhar no comércio; e o meu pai, que acabou seguindo o caminho e... ele não... - engraçado... - ele não pediu demissão: ele pediu uma licença. Isso tem uma consequência futura interessante.
Ele pediu uma licença e veio morar no Rio. Mas, nessa época, por volta de 1922, a avó dele tinha falecido - avó cujo nome eu levo: Anna- foi quem o criou. Minha avó tinha 14 anos quando ele nasceu; ela tinha falecido e ele ainda estava em Belo Horizonte, ou tinha... Eles ainda estavam em Belo Horizonte e foi aí, nessa época, que ele conheceu minha mãe. Eu sei porque a minha mãe dizia: Aele estava de luto quando eu o conheci. Porque, naquela época, as pessoas usavam luto, não é? E aí, depois, eles casaram; em 26, vieram morar no Rio. Eles ficaram alguns anos e, depois, ele voltou. Ele ficou tuberculoso no comércio do Rio de Janeiro. Naquela época, não havia nem sulfa, muito menos antibiótico. Não havia também leis trabalhistas. Ele perdeu o emprego - foi em 33 - e ele conseguiu voltar à Rede Mineira de Viação baseado no fato de que ele nunca tinha pedido demissão. Ele foi como... porque ele não foi reintegrado: ele foi readmitido; mas ele não tinha pedido demissão. E isso foi uma coisa que foi importante. Então, ele voltou a então Estrada de Ferro Oeste de Minas - ainda não era a Rede Mineira de Aço: era Estrada de Ferro Oeste de Minas - e foi trabalhar no setor que era de abastecimento. Eles tinham um armazém para vender gêneros para os empregados, e se chamava o Instituto de Auxílios Mútuos dos Empregados da Estrada de Ferro Oeste de Minas. A Oeste de Minas pertenceu ao estado de Minas Gerais. Foi uma estrada pioneira, de bitola estreita, que ia até... ela passava pelo interior, ela começou em São João Del Rei, ela ia até a fronteira de Goiás, ela subia... tinha Ibiá, Lavras; passava por uma porção de outras cidades, que, depois, acho que ficaram sem trem.
Bem, com isso, nós fomos para Belo Horizonte. Eu tinha cinco anos; eu fiz seis anos em Belo Horizonte. Entrei na escola pública aos sete; entrava-se aos sete. Eu, ainda, era de outubro, quer dizer: só entrei em fevereiro - já com mais de sete - no grupo escolar José Bonifácio, e ali fiz meu curso primário. Tinha uma irmã mais velha, que começou em 34. Eu comecei em 36; e ela já tinha terminado, nessa altura, o primário. Terminou antes de mim. Belo Horizonte só tinha um ginásio público e era o ginásio... o antigo Ginásio Mineiro que, depois, quando houve aquela transformação do curso médio em ginásio e colegial, ele passou a se chamar Colégio Estadual. Mas, antes, era Ginásio Mineiro. Um ginásio onde meu avô foi professor muitos anos antes, onde minha mãe tinha estudado. Só que não dava para estudar lá, porque era muito longe, ficava no Barro Preto, que era um bairro... E não é de hoje que a polícia tem um pouco de má fama, já naquele tempo a mamãe dizia: Não pode ir lá, tem um quartel da polícia militar. Como é que eu vou mandar duas Meninas? Nas vizinhanças do... era o único ginásio. E havia a escola normal, mas a gente não queria fazer curso normal, queria fazer ginásio. Meu pai, que era um homem... tinha feito até o 21 ano ginasial, no máximo; que ele entrou com quatorze anos, segunda para a terceira, e entrou e, com quatorze anos, ele foi trabalhar; já que ele não tinha pai, tinha o padrasto, mas não tinha pai. E ele, o pai dele, sumiu. O pai dele era português, era um vendedor daqueles vendedores viajantes que existiam naquele tempo. Ninguém sabe como ele sumiu: nem a família dele - irmãos, pais. Não souberam mais dele. E, a minha avó, casada aos quatorze anos, ficou, nessa altura,
com um filho e sem marido, que nunca mais apareceu. E ela viveu com esse que a gente chama de padrasto do meu pai - que também era da Oeste, que era lá... eles eram de Oliveira. Depois, foram para São João Del Rey. Viveu com ele a vida inteira; mas nunca puderam casar, porque, naquele tempo, não se fazia como hoje, como hoje se teria feito, vamos dizer, uma declaração de ausência, por não sei quantos e tal. Bem, meu pai era uma pessoa bastante... muito... tinha uma inteligência verbal. Falava muito bem, assim, em conversa, não é? Nunca foi orador. Nunca fez um curso superior, mas, enfim, tinha uma desenvoltura muito grande. E eu fui para o ginásio. Lá fiz o meu curso ginasial num colégio de freiras, Sacre-Coeur-de-Marie, não é? E, nesse colégio, que era frequentado pela elite de Belo Horizonte... havia o Sacre-Coeur-de-Marie e o Santa Maria. Os colégios religiosos não eram mistos. Eram masculinos ou femininos. E os mistos mais valorizados eram esses. O Sacre-Coeur-de-Marie, como era uma congregação de origem francesa... - a irmã mais nova da minha mãe com 30 anos de diferença, estudava lá - e nós fomos... E era um colégio onde havia muitas meninas da alta sociedade, filhas de governador... Naquele tempo, estudou lá a Lúcia Valladares, que era a filha do Benedito Valladares, irmã da Helena, que foi casada com este... com este...aquele que... escreveu AMeus grilos não cantam mais... o Sabino... João: Fernando Sabino. Dra. Anna: Com o Fernando Sabino, a quem o Juscelino... o Benedito deu, arranjou um cartório para ele, porque ele
era um escritor, como é que podia sustentar uma família? E, dizem que, depois, ele devolveu o cartório quando se separou dela. Pelo menos assim dizem. Ele foi muito correto. Mas, enfim, era esse o colégio, não é? Vocês devem conhecer, da televisão, o Jamedes, os dois irmãos que falam sempre sobre economia... João - Eduardo Gianetti Dra. Anna: Eduardo e o outro. Eles são filhos da Ione, que o era o maior industrial que existia em Belo Horizonte na época. Na verdade, o Gianetti deles é da mãe. O pai, não sei. É Gianetti da Fonseca, parece. Era a Ione... Elas eram de lá. Uma delas era minha colega de turma; a outra, era colega de turma da minha irmã. A Terezinha - até morreu muito cedo, do coração; a Marília, que era colega da minha irmã; e a Ione. E havia os dois rapazes e, depois, tiveram mais um menino. Eles eram uma família de seis. Eram riquíssimos, moravam numa casa linda, e tudo era assim. Eu me lembro, num trabalho da Aliança Francesa, uma vez. Havia um texto para se dizer... o que é que... fazer um pequeno relato do clima na escola em que eu estudava, e o professor achou graça, pôs assim na anotação: Muito Simone de Beauvoir. Porque eu disse o seguinte: Na minha escola travava-se uma luta surda entre o dinheiro e a inteligência, a que nem Deus parecia ficar indiferente. E, ao que parece, isso aborrecia muito a minha irmã, porque ela se sentia assim, menor, porque não era rica. E, é uma coisa que nunca passou pela minha cabeça, sabe por quê? Porque elas podiam ter todo o dinheiro que elas tivessem, mas, quando chegava a hora
das notas, elas não me passavam. Então, não adiantava nada. Não adiantava nada. O meu orgulho era ser boa aluna, e ela era boa aluna, mas ela era tímida. Então, naquele tempo, você levar uma pera de merenda para a escola, uma maçã: era importada da Europa; você levar um presunto... e a gente evidentemente não levava: levava banana, levava pão com manteiga, entende? E isso, claro, nunca me assustou, está entendendo? Nunca me assustou. Mas, aparentemente, para ela, isso... ela se sentia um pouco mal. Depois, eu terminei o ginásio, e fiz o tal científico. E aí, aquela luta para saber o que que vai fazer: o clássico ou científico? Não havia uma definição. Você sabe que, tanto com o clássico ou com o científico, você tinha acesso a qualquer faculdade e eu, como não sabia muito bem o que queria ainda, eu resolvi fazer o científico. Porque a única coisa que não havia era o Latim no científico, mas as outras matérias... Foi, e depois, eu tive que fazer prova de Latim para entrar na faculdade de Direito. Bom, mas nós tivemos Latim. Eu peguei Latim no 3º ano ginasial, quando houve a reforma do ensino. Então, fiz o colegial e, aí, me decidi por fazer Direito. Muito porque eu considerava que era extremamente desagradável enfrentar uma banca de vestibular. Porque a banca de vestibular era constituída de professores da própria universidade. Não havia provão. Não havia nada disso. Você se inscrevia para o vestibular daquela... Só existia uma faculdade, que era a pública, que era a federal de Minas Gerais. E a dificuldade estava em que você era examinado, os professores eram todos homens e, ao que parece, tinham bastante preconceito, pelo menos alguns. Talvez não na faculdade de Filosofia, porque a Filosofia se
destinava a professores secundários. Então, você tinha que fazer História, Geografia. História e Geografia eram juntas; Física e Química eram juntas; Biologia e Matemática, Letras Clássicas, letras não sei o quê. Enfim, mas, nas faculdades, os professores eram homens, não é? E os professores eram pessoas assim... Não é como hoje em dia. Primeiro, que o professor lá que examinava era um professor que se chamava catedrático, não é? E, não havia esse negócio de você ter que fazer concurso para isso para depois passar para aquilo, não havia, assim, uma carreira. Tinha que fazer concurso para catedrático, e então eram pessoas, assim, conhecidíssimas. Então, me examinou em português... Eu fiz inglês, porque já fazia Cultura Inglesa, já estava bem adiantada. Quem me examinou em inglês - escrita, eu não sei - mas, na oral, foi o... - como é que ele se chamava? Professor de Teoria Geral do Estado, foi meu professor... Ele era... tinha sido... diretor, era diretor do Departamento de Municipalidade do Estado de Minas Gerais. Era casado com uma filha de um grande do Direito lá que era o... agora a memória..., mas eu vou me lembrar. Então, foi esse que me examinou em inglês. O que me examinou em português, oral, foi o Deodato; depois, era professor de Finanças, e Latim ... Interessante, não foi um professor da escola; foi um outro, que era professor de uma outra... porque eram dois professores, que eram muitos alunos para serem examinados; nem tantos, enfim, para você fazer um exame pessoal, quer dizer, não era. João: Não era escrito.
Dra. Anna: Havia a prova escrita e depois a oral. João: Certo. Dra. Anna: E esse aí... eu fiz, eu estudei latim, por incrível que pareça... são essas coisas, eu estudei latim. Eu tinha só dois anos de latim, então, para fazer a prova, eu fui estudar particular num grupinho que se formou. O Ziller, que era pai do Armando Ziller - o que foi secretário geral do Partido Comunista em Belo Horizonte. E, ele era um velho professor, que tinha sido padre; desistiu de ser padre; foi pastor protestante... e ele dizia: Eu fui padre, fui pastor protestante, e hoje sou ateu. Mas, ele era um latinista extraordinário, e foi ele que deu aula para nós. Então, eu fiz a prova de latim. Não sei se eu sabia um pouco mais, ou se os outros sabiam um pouco menos, porque, por sorte minha, caiu um texto que eu conhecia, que era um texto das Catilinárias. Porque era: Ovídio, na prova escrita - era As Quatro Idades; na oral era As Catilinárias [de Marco Tulio Cicero]. E caiu um pedaço que era Castra sunt in Italia contra populum romanum... por aí a fora. Eu sei até de cor o texto. E aí, quando ele olhou assim, quando eu acabei a leitura, fiz a tradução - eu, até maliciosamente, fiz a tradução mais devagar do que eu podia fazer, justamente para ele não perceber que aquele texto eu conhecia muito bem. Eu fiz mais devagar, como estivesse um pouco procurando... Quando ele olhou para mim, falou assim: Castra..., e, aí, eu olhei para ele e falei assim: [inaudível] da 2ª declinação. Ele, aí, arregalou os olhos assim e falou: Conhece outro? Eu conheço: arma, impedimentu que [inaudível], não sei se vocês estudaram latim... Era uma palavra que existia na
forma plural. Na verdade, quer dizer exército. Mas, exército é como News em inglês - notícia, novidade. Notícias não existe: new é novo, em inglês, é adjetivo; o substantivo é no plural, mas o sentido: as notícias não é? Como, até hoje, óculos, que eu não consigo convencer os jovens brasileiros a dizer o meu óculos; eles dizem os meus óculos. Eu digo: olha, óculo, no singular, é aquele, assim, do navio, que o sujeito fazia para olhar ao longe. Aquele é que é óculo. Aqui, são dois, então: óculos, então, essas coisas... Então, eu tive sorte. Tive uma... eu só tirei... Eu tinha tirado dez nas provas escritas. Eu só tirei nove numa oral na matéria que eu não podia tirar nove, que era inglês, porque o professor achou de me dar nove e, depois, ele, de certa maneira, fez aquele ato de contrição. Ele me chamou para dar aula de inglês para os filhos dele... João: Ah, engraçado... Dra. Anna: ...depois do curso. Mas ele me deu nove. Desculpa. Mas eu sabia mais inglês que ele, porque eu já estava no final da Cultura Inglesa. Eu fiz depois o proficience. Ainda não tinha feito, mas eu fiz o proficience. Eu já tinha terminado, eu já ia fazer o ano de preparação para o Aproficience. E eu sei que eu não errei nada. Eu era o primeiro prêmio da minha turma de pronúncia da língua inglesa. Eu estou contando isso para vocês para verem como é que é a história. Porque pus lá os meus boletins, ele disse: Você tirava dez em tudo. Eu dizia: por isso que eu cheguei lá, porque, quem começa tirando cinco no primeiro ano primário não chega lá, porque vai ficando uma parte que a gente não sabe, não fica? Se você tirar sete, trinta por cento você não sabe. No outro ano, o
que depender daqueles trinta por cento, você já vai fazer com mais dificuldade, você não sabe. Então, no princípio, você tem que ser muito bom aluno; a não ser que você seja gênio. Se for gênio, você pode ser um aluno péssimo: porque o Edson, mandaram ele ir para casa, chamaram os pais, disseram que ele não aprendia nada. E ele era um inventor, mas ele era gênio. Então, o gênio não se conforma com as vulgaridades que servem para nós. João: Einstein, não é? Dra. Anna: É. Essa gente, em geral, essas pessoas, em geral foram péssimos alunos, porque eles são incapazes de seguir uma rotina, porque a inteligência deles os está colocando completamente fora. Meu avô dizia que essas pessoas nascem fora da sua época, elas estão vendo hoje coisas que os outros só veriam... só iriam descobrir muito mais tarde, se elas não existissem. Os pintores também, os músicos também, todos eles foram vaiados, todos eles foram... porque as pessoas eram incapazes de entendê-las. Eles estavam acima da regra comum. João: Dra. Anna, uma pequena interrupção. A senhora, o café a senhora quer com açúcar ou adoçante? Dra. Anna: Adoçante. Mas, aí, o que aconteceu? Aí eu entrei maravilhosamente bem na faculdade, fiquei segunda classificada, sob protesto, porque me deram nove na oral de inglês. Entrei, fiz, e naquele ano eu vim para o Rio já para o Congresso Nacional dos Estudantes, 10º Congresso, na sede da UNE, ali na praia do Flamengo, 132, e ali eu conheci a
pessoa com que se tornou depois o meu marido. No congresso, ele era do Rio Grande do Sul, vinha representando a casa. Marcelo: Em que ano? Dra. Anna: Em... eu entrei na faculdade em 47, portanto isso foi em julho de 47, eu terminei... Quando eu terminei... eu terminei o colégio em 46, em 47 entrei na faculdade. Então aí, aí, o Direito foi assim... E eu tive receio, eu pensei, assim: como é que eu vou me apresentar? Porque eles até aceitavam as mulheres, naquilo que tradicionalmente se considerava feminino; que é a parte de Letras, é a parte de Assistente Social, História. Isso eles acham que é feminino. Música... está entendendo? Mas, esse negócio de Matemática... que eu gostava... eu até hoje gosto! Meu avô era matemático. E eu tenho um filho Doutor em Matemática, que é professor da UFRJ. Ele é doutorado pela Pierre et Marie Curie, em Paris. Mas foi assim também aquela que... A professora do admissão disse para ele: Matemática não precisa ensinar, não, Dra. Anna. Ele é intuitivo, ele descobre sozinho... Porque era a queda dele. Era para isso que ele dava. Esse é o meu filho mais velho, não é? Então, eu confesso a vocês que eu não fiz, eu achava que o Direito era uma coisa assim bastante ampla que podia... vamos dizer, abrigar pessoas com...com... João: ...n vocações... Dra. Anna: Com n vocações. Mais do que uma vocação. Porque, naquele tempo, quer dizer, não havia o desenvolvimento... O sujeito fazia engenharia: fazia engenharia civil. Hoje, tem engenharia de produção, engenharia disso... Não tinha.
Era engenharia civil, não é? Arquitetura, naquele tempo, a faculdade lá não estava, não era parte ainda da Universidade. Ela era junto com as Belas Artes. Depois é que ela foi... Foi quando Orlando de Carvalho... - Orlando de Carvalho foi meu professor que me examinou em inglês - e, ele é que foi Reitor, depois, da minha universidade. Foi no tempo dele que ele conseguiu fazer o primeiro vestibular para Belas Artes, que ele ia acabar. Colocou Belas Artes dentro da universidade. E, nesse tempo, estava por entrar... Os alunos de Arquitetura tiveram que se separar dos de Belas Artes para conseguir entrar. Não só aqui, como os do Rio Grande do Sul também. Eles tiveram que constituir uma unidade à parte para que a universidade os aceitasse. Então, eu fui para o Direito. Não, não me arrependi não. Eu acho... continuo adorando matemática. Até hoje sei coisas de matemática, assim: fórmulas, forma de equação de 21 grau. É bobagem, mas a maior parte dos meus colegas diz que detesta matemática, o que me faz pensar que eles não servem também para o Direito, porque são incapazes de raciocínio lógico. Então, quem é incapaz de raciocínio lógico não pode fazer Direito, porque em Direito não existe nada de científico, a não ser o raciocínio lógico. Porque você põe a premissa como quer, num certo tempo, num certo lugar... não é isso? Tudo que existe de universal no Direito é simplesmente a universalidade humana. Não é que seja científico; é porque decorre da natureza humana. Porque não matar, que existe em praticamente em todos os códigos... não é? Desde os mais antigos, desde os das Igrejas e tal. Eu, aliás, tive a oportunidade de ver, essa vez, escrito, o código de Hamurabi. Eu vi na França, agora. Vi escrito. Porque a gente
não vê. Estuda. Mas não vê escrito. Dificilmente aparece na exposição. Então, isso tudo é porque a natureza humana é uma só, não é? Independente dos fascistas, que acham que existem várias, várias. Não existem, a natureza é uma só. E a prova maior - você sabe - é que qualquer ser humano em condições normais procria com outro ser humano do sexo oposto, independente de cor, tamanho, isso, aquilo, aquilo outro. O que significa que é uma raça só e dá uma cria fértil, porque o híbrido dá uma cria que não é fértil, não é isso? Aí, você sabe que somos uma raça só, nós somos um só. Mas aí... Eu já falei... Gente, isso tudo é porque nós somos pessoas; então, como a vida é uma coisa muito importante, todas as sociedades privilegiam a vida. Mas isso não quer dizer que o Direito é uma origem divina. O Direito nasce de uma sociedade que o põe. A sociedade o põe conforme as regras do bem estar e convivência válidos naquele tempo e naquele espaço, não é? Assim como o nosso luto é negro, o luto chinês é branco. Você vê que a relatividade das coisas... Então, eu achei que Direito era bom para mim. E me casei no meio do curso. Meu pai teria feito Direito se tivesse tido oportunidade. Ele chegou até a se inscrever num curso livre; mas era pago, era caro, e ele acabou não fazendo. E eu, então... Nós nos casamos, e viemos para o Rio. Isso na metade do 2º para o 3º ano. Eu me casei até em janeiro por causa da transferência. É uma das poucas razões de transferência, era o casamento, no caso da mulher, porque o domicílio do casal era fixado pelo marido, pelo código civil da época. Então, como a mulher tinha obrigação de conviver, o domicílio da mulher era o domicílio do marido. Hoje não é mais...
A mulher pode ter um domicílio diferente do marido por razões até de trabalho, essa coisa. Na época, não. Uma das razões que eles davam a transferência era essa. Eu me casei, eu tinha que ter o domicílio do meu marido. Eu vim de uma Federal para outra Federal, mas mesmo assim era difícil. Era muito difícil na época transferência, até hoje é, pelas públicas é difícil. João: Ainda é difícil. Dra. Anna: É difícil e, aliás, eles têm razão. Porque não se pode confiar em certos vestibulares. É como eles fazem aí essas permutas de juiz, e sabe-se lá qual foi o vestibular que foi feito lá numa outra região, a gente não sabe... João: Que tipo de concurso... Dra. Anna: Que tipo de concurso a pessoa fez... afinal, se o concurso é de seleção. Bom, mas enfim, vim e fiz três anos aqui na Federal. Fiz três anos na Federal e me formei, e me formei em 51. Fui da turma de 51, da turma do Dr. Fiorêncio. João: Dr. Fiorêncio já foi entrevistado aqui. Dra. Anna: É ele era... nós somos da mesma turma... é... de uma pessoa... um ilustre... uma ilustre figura da República - embora tenha sido do governo militar - que foi aquele Ministro da Justiça, Petrônio Portela. Era da nossa turma. Não era uma turma grande. Eu tenho, aliás, o retrato. E, aí, eu terminei em 51, e estava, assim, meio desorientada. Porque a família do Frank era do Rio Grande do Sul, a minha era de Belo Horizonte. Nós não tínhamos nenhuma relação... ele
A mulher pode ter um domicílio diferente do marido por razões até de trabalho, essa coisa. Na época, não. Uma das razões que eles davam a transferência era essa. Eu me casei, eu tinha que ter o domicílio do meu marido. Eu vim de uma Federal para outra Federal, mas mesmo assim era difícil. Era muito difícil na época transferência, até hoje é, pelas públicas é difícil. João: Ainda é difícil. Dra. Anna: É difícil e, aliás, eles têm razão. Porque não se pode confiar em certos vestibulares. É como eles fazem aí essas permutas de juiz, e sabe-se lá qual foi o vestibular que foi feito lá numa outra região, a gente não sabe... João: Que tipo de concurso... Dra. Anna: Que tipo de concurso a pessoa fez... afinal, se o concurso é de seleção. Bom, mas enfim, vim e fiz três anos aqui na Federal. Fiz três anos na Federal e me formei, e me formei em 51. Fui da turma de 51, da turma do Dr. Fiorêncio. João: Dr. Fiorêncio já foi entrevistado aqui. Dra. Anna: É ele era... nós somos da mesma turma... é... de uma pessoa... um ilustre... uma ilustre figura da República - embora tenha sido do governo militar - que foi aquele Ministro da Justiça, Petrônio Portela. Era da nossa turma. Não era uma turma grande. Eu tenho, aliás, o retrato. E, aí, eu terminei em 51, e estava, assim, meio desorientada. Porque a família do Frank era do Rio Grande do Sul, a minha era de Belo Horizonte. Nós não tínhamos nenhuma relação... ele
Parece que já havia a PUC aqui no Rio. O certo era que ela trabalhava com o Sinval Palmeira. E ela tinha acabado de sair de lá, porque ela se casou; tinha engravidado, não sei o quê. Ela tinha acabado de sair e a Edna falou: Poxa, o Sinval está procurando uma pessoa formada, assim, que tenha se formado, que queira trabalhar lá. E aí eu fui. Porque o Sinval a gente conhecia. Eu não o conhecia pessoalmente, mas de falar. Conhecia. Ele era de esquerda, era pessoa conhecida. E aí eu comecei a trabalhar exatamente no dia 1º de setembro de 1952. Foi o dia que comecei a trabalhar no escritório do Sinval. E era um escritório... Eu estou escrevendo as minhas memórias, não vou dizer tantas coisas, mas tem um capítulo em que eu falo sobre o que era trabalhar no escritório do Sinval. Porque o Sinval era um homem inteligentíssimo. Acho que é mal da esquerda, não é? A direita pode ser burra, mas, na esquerda, é um ato de suicídio ser burro. É como bandido. Se o bandido não for, pelo menos, muito vivo e inteligente... não é? O policial pode ser burro, o bandido não. O bandido não. É porque, na verdade, a esquerda era, para o status quo, era um bandido, era um grupo de bandidos, para eles eram uns bandidos. João: A senhora desculpe, só uma pergunta: a senhora se voltar ideologicamente para a esquerda foi alguma influência, tem a ver com... Dra. Anna: É paterna. João: É familiar. Dra. Anna: É familiar. Já era paterna, porque o meu pai,
como uma pessoa que trabalhou desde os quatorze anos, como uma pessoa que perdeu o emprego porque estava tuberculoso, não existia assistência social... Ele valorizava extraordinariamente os direitos trabalhistas. Ele era como a maior... Grande parte do eleitorado da esquerda brasileira era de getulistas que votavam com a esquerda. Getulistas. Tinham avançado um pouco. Mas não deixavam de ser getulistas. Porque, na realidade, na realidade... Eu costumo dizer: os franceses dizem que a França teve dois estadistas até hoje: De Gaule e Mitterrand. De todos Presidentes da República, estadistas: De Gaule e Mitterrand. E, eu digo que, no Brasil, nós tivemos dois estadistas: Getúlio e Juscelino. E eu vou aumentar minha... na minha lista eu vou pôr o Lula. Porque são pessoas... Elas têm percepção do momento, e tem uma ligação... quer dizer, é um negócio intrínseco, tem uma ligação com o povo, que não é o populismo normal. São pessoas, assim... que sabem falar para o povo, e o povo entende o que eles dizem, entende? É uma coisa impressionante. Aliás, não sou eu que falo do próprio Lula - eu até pus no meu artigo - não sou eu que falo, porque o Bicudo que saiu do PT... João: ...Já fala isso... Dra. Anna: Fala isso. O senso político que ele tem é inigualável. Nada pega nele. Eles podem fazer as besteiras que quiserem em volta, mas não pega. João: Ele seria um animal político. Dra. Anna: Eu diria um ser político, prefiro. Então o que
aconteceu: meu pai era uma pessoa... A primeira vez que eu vi uma manifestação de esquerda foi em eleição do Dutra e do Brigadeiro. Foi em Belo Horizonte, aos 18 anos, em que foi a... foi o comício do Fiúza, que era o candidato... João: Do Partido Comunista Brasileiro. Dra. Anna: Candidato do Partido Comunista. A primeira vez que eu vi, que eu vi uma bandeira vermelha. Aliás, eu ouvi pela primeira vez a palavra >democracia= dita em público em Quitandinha, quer dizer, ouvi pelo rádio. Em Quitandinha, quando se fez a fundação dos Estados Americanos... como é? Organização dos Estados Americanos, que foi antes da guerra acabar. E, o delegado do Uruguai falou: lá democracia, e quase veio abaixo... Foi o delegado do Uruguai, não foi nem brasileiro! Ouvi democracia. E a primeira vez que eu ouvi a Internacional cantada... Eu ouvi a Internacional cantada, também, em Montevidéu, quando numa viagem que nós fizemos. Cantada, assim, na rua, num comício. Naquela tarde, a gente estava num navio, mas, naquela hora, a gente estava na rua, e havia um comício... E tanto que a fórmula é castelhana... a letra brasileira não é muito bonita, não. João: É um pouco chata. Dra. Anna: Não. As palavras usadas não foram bem escolhidas porque, numa tradução, você tem que escolher palavras mais... primeiro, mais significativas para o povo, não é? João: Eu já ouvi... eu conheço a tradução. Eu acho a tradução um pouco pesada.
Dra. Anna: É pesada. Ela não é feliz, não. Mas em castelhano é muito bonita. Eu tenho a versão em francês. Quando meu marido morreu, nós pusemos a versão. Só tinha a versão francesa. Pus a versão na hora que saiu o caixão, eu pus a versão para ele. Então, o que acontece? Era assim: ouvi aquilo pela primeira vez... depois..., mas, enfim... Aí, fiquei lá no escritório do Sinval. Mas, era uma maravilha o escritório do Sinval! Porque as pessoas mais inteligentes passavam por lá. Então, passavam: Osni Duarte Pereira, Aguiar Dias, que já era desembargador... o Desembargador Fialho - que era da Justiça Comum. Os outros também eram. Depois, eram: Calheiros Bonfim, Lantelmo de Brito, Osmundo Persa... aquele Belém... esqueci o primeiro nome dele... João: Belém? Dra. Anna: Belém era um advogado também... João: Raul Belém? Dra. Anna: Não. Então, era uma gente muito... E, além disso, os clientes: Arnaldo e Mariúcha Estrela, Oscar Niemeyer, Portinari. Esses eram os clientes. Os clientes, as figuras extraordinárias. Então, a coisa... Por exemplo: coisa da vida da gente... não são propriamente do Tribunal, mas quando eu era advogada... No tempo do Getúlio, durante a guerra, se criou a coordenação da... a mobilização da... A Coordenação da Mobilização Econômica. E faziam uns tecidos populares. Umas coisas para vender. Todo mundo falava: “Vou comprar tecido da Coordenação de Mobilização. Era um tecido de algodão, era como um brim, assim, mas dava para fazer
calças, essas coisas. E o presidente desse órgão - diretor - era o... -Oh meu Deus, acho que ele foi da coluna Prestes... Foi daqueles que aceitaram a Revolução de 30 (nem todos aceitaram...) João: ...e apoiaram a Aliança Liberal... Dra. Anna: Era Alberto Campos... não... depois eu me lembro. E, no dia em que ele morreu, o Sinval me chamou e disse assim: Doutora, a senhora vai lá e encomenda... Eu fui encomendar no Mercado das Flores, ali no Centro da cidade, uma coroa assim muito bonita, e... é com esses dizeres: Ao companheiro da Coluna. Luiz Carlos Prestes Fui eu que encomendei pelo Prestes. Ele estava fugido. Então, era assim: foram lá... iam lá entrevistar o Sinval. O Sinval: Desde que você não escreva na Tribuna Popular que o juiz está vendido ao imperialismo ianque... Porque tinham essas coisas, esses chavões, não é? Vendido ao imperialismo ianque. A gente chamava o Roberto Campos de Bob Fields, não é? Tinha aquele anúncio que dizia assim: Dragão, a fera da rua larga, em frente a Light. Porque a Light era a fera que nos engolia. De frente a Light... Você deve ser lembrar disso. Então, era uma coisa... Uma época muito mais assim. Dizem que os momentos de ditadura, eles desenvolvem extremamente o anedotário. Como as pessoas não podem dizer as coisas como são, elas fazem charges, anedotas, entendeu? O meu vizinho, lá, o Fortuna - era meu vizinho lá em Santa Teresa - que era um dos... João: O chargista?
Dra. Anna: É, do Pasquim. O filho dele escreve no Jornal do Brasil, sabia? Esse Felipe Fortuna escreve... João: É filho dele? Dra. Anna: É filho dele. Eu vi menino. Ele tem um livro sobre Santa Teresa muito interessante. Ele é, hoje, diplomata. Ele é muito inteligente, sempre foi. Felipe Fortuna. Eles eram três: um, foi músico; a outra... até estudava dança... - não sei o que foi feito dela, a menina... - o outro, era musicista. Mas aí, eu fui para o escritório do Sinval. Uma maravilha! Só que, evidentemente, eu ainda não tinha filhos. Custei muito a engravidar. E, quem quer formar família, não pode viver... Que é meio difícil você viver de ordenado... Não tinha ordenado de advogado: um mês ganha mais, outro mês ganha menos... Eu tinha um percentual, mas aquilo era muito variado. Como o meu marido - que tinha feito Ciências Contábeis e Atuariais, mas resolveu ser vendedor... porque tinha mais tempo de fazer trabalho político... Porque o vendedor anda na rua, ele contata muito mais gente do que um bacharel em Ciências Contábeis e Atuariais, que fica preso num... não é? Ele fez, ali, nas Ciências Contábeis, que, naquele tempo, era perto da Fundação Getúlio Vargas. Era ali a faculdade, e era da Federal. João: E o fato de ser mulher nessa atuação: estudante, advogada... Isso aí, naquela época, dificultou muito? Dra. Anna: Não, não atrapalhou nada, pelo menos não para mim. Porque eu tinha uma colega que dizia: Queria ter a convicção que você tem que eu não sou inferior por ser
mulher. Mas o meu pai não achava. Nunca lamentou por não ter tido um filho homem. E, quando eu nasci, está lá no livro... Ele fez um... Tinha pouco dinheiro, comprou um livro desses de contabilidade, ou tinha em casa... Virou, assim, ao contrário, e transcreveu os dados do nascimento da minha irmã com uma letra linda. Ele escreveu: Aos tais dias, nasceu Pompéia... - depois: Pompéia Péret Benedito da Rocha. Depois, ele escreveu a poesia, e, depois, os outros dados: quando caiu o umbigo, quando foi batizada... João: É. Uma agenda que tinha. Dra. Anna: É, mas era um livro grosso assim, que eu acabei de encadernar, porque eu fiz um canto de memória lá na Colombo no dia do meu... do meu... agora... João: Do seu aniversário. Dra. Anna: Do meu aniversário. É agora. Foi no dia dez. Então, o que aconteceu? Então, ele fez para mim também. Eu vou te dizer, veja como ele valorizava uma mulher: você sabe o que ele transcreveu para mim como poema? O Se de Rudyard Kipling. Só que no fim ele pôs: Serás digna, tu, minha filha? O Se de Rudyard Kipling é uma pretensão de vida, de caráter. Inatingível. Inatingível. Porque as qualidades: Se fores capaz disso, se fores capaz disso. É inatingível, praticamente. A gente não sabe se tem que ser herói ou santo para conseguir ser aquilo tudo, que começa sempre por Ase@. É uma tradução que ele... Inclusive, eu encontrei duas traduções. Ele deu preferência a essa que não era... A outra é até de um poeta brasileiro conhecido, mas
ele não transcreveu... Ele transcreveu para minha irmã uma coisa belíssima que chama Minha filha, que é da Rosalina Coelho Lisboa. Lindíssima, lindíssima, lindíssima. Eu li este poema, evidentemente passando para o masculino, quando eu saudei o Paulo quando ele foi... Porque diz assim, tem uma hora que diz assim: Faze (acho que) de tua vida e de teu pão/ o bem de amigos e de estranha gente/ aperfeiçoa em sonho a tua mente/ aperfeiçoa em dor teu coração E eu falei: Olha, isso é uma maravilha.! Não precisava nem do resto do soneto. Só isso. João: Só esse prefácio Dra. Anna: Só esse primeiro quarteto é suficiente. Então, eu fiquei naquele ambiente. Mas achei que não podia viver só daquilo, e resolvi fazer concurso. O primeiro concurso que apareceu, eu não escolhi. Nós fazíamos Direito do Trabalho..., mas fazíamos tudo: porque o governo Dutra tinha cassado o... e houve...havia a Casa dos Sargentos... Eles fecharam as Casas dos Sargentos e abriram processo contra todo mundo, e tal. Então, havia muitas pessoas que respondiam a processo. Inclusive, o processo do Prestes que, burramente, a direita instaurou contra umas duzentas pessoas. Quer dizer, é um processo para não acabar, porque cada um tinha direito a não sei quantas testemunhas. Foi arrolada como testemunha, para ouvir por rogatória, até o deão de Canterbury (que era para ser ouvido na Inglaterra...). Evidentemente, não podia acabar o processo... E ficou rolando toda vida. Até que chegou a época de Juscelino, e houve um afrouxamento político geral, e Prestes apareceu. O episódio foi assim: o Sinval reclamou
qualquer coisa lá, e o juiz falou assim: Mas, porque o senhor não o apresenta, se ele está vivo, se está no Brasil, porque o senhor não o apresenta? Ele disse: Se o senhor me der a sua garantia de juiz que a liberdade dele e a integridade física dele vão ser respeitadas, eu o apresento. E apresentou. E aí ele ficou numa semilegalidade. Ele estava com a prisão decretada, mas não estava preso: estava sumido. E foi aí que se criou ambiente para haver uma abertura política, não é? E, na realidade, então, o concurso que se abriu foi o concurso para Juiz do Trabalho. João: Eu nem vou perguntar para a senhora a questão do Direito do Trabalho, porque pelo seu depoimento dá para ver porque o Direito do Trabalho... Dra. Anna: ... Não, mas não foi por isso, não... João: ... Mas não foi nem pela questão do direito social, não? Dra. Anna: Não. Eu fui... Nós fazíamos Direito do Trabalho, mas, por exemplo, o Tribunal Militar funcionava ali, perto, ao lado do... Olha, o nome, eu me lembrei: João Alberto, o companheiro da coluna a quem... João Alberto... da Coluna... Não sei se você sabe, mas o grande direitista daquela gente da coluna - se tornou o maior direitista, inimigo figadal do pessoal de esquerda - era o Juarez Távora. João: Juarez Távora... Dra. Anna: Sabe por quê? Sabe por que ele foi expulso? João: Também? Dra. Anna: Ele foi expulso da Coluna... ele foi expulso...
Essas coisas ninguém diz... João: ... o Filinto Müller foi expulso. É um outro dado. André: Não, o Filinto Müller não foi da Coluna... João: ... é, pelo menos... Dra. Anna: Você acha? João: Os documentos colocam que ele foi sim. Ele chegou a participar da Coluna e teria sido expulso... Dra. Anna: ...Só não sei se foi muito no início... Não aparece... João: Não aparece... Dra. Anna: Você tem o livro da Anita? João: Tenho, tenho o livro, mas não aparece, não. Ele foi expulso no início. Dra. Anna: Mas o Juarez está... João: O Juarez está... Dra. Anna: Foi expulso e ... João: Foi expulso - só pra completar - foi expulso por roubo. Dra. Anna: Deve ter sido por uma coisa meio assim. Todos... Por exemplo: Cordeiro de Farias. Foi grande... Eles mandaram prender o general... como é que se chama? Aquele Machado que, quando houve... no Rio Grande do Sul... João: Machado Lopes. Dra. Anna: Quando o 3º Exército... ele mandou... e o
Cordeiro de Farias não foi... O Cordeiro de Farias... O Prestes era o 1º aluno do Colégio Militar, mas não foi comandante-aluno... Foi ele... E ele escolheu a arma de Artilharia, que era a 2ª arma em importância. Não escolheu Engenharia, porque ele seria o 2º aluno. Mas, você vê como você... Eu não digo isso: que o revolucionário seja revolucionário só por emoção; mas é, também, por emoção. Porque, quando o sujeito que está sem uma ideologia, quando ele sofre uma injustiça muito profunda, ele, em geral tenta descobrir a causa. E, quando ele descobre que a causa é mesquinha, ele diz: Esse sistema, essa sociedade, essa ideologia não servem pra mim. Foi o que fez a diretora da escola do meu filho mais velho, que não quis... não deixou ele ser porta-bandeira porque o pai era comunista. E eu disse pra ela no dia: - A senhora sabe quem foi Luiz Carlos Prestes? O primeiro aluno injustiçado pelo Colégio Militar. Eu não queria meu filho herói nacional aos dez anos, porque isso pode fazer mal a ele. Mas, sabe a quem a senhora está fazendo mal? À menina, a quem a senhora vai dar, porque ela não é a primeira. Ela sabe que não é a primeira. E ela vai conviver, ela vai aceitar, porque ela... A mãe veio falar comigo, eu disse assim: Se a senhora tivesse hombridade, a senhora não aceitaria. Porque a senhora sabe que a sua filha não é a primeira. E eu não faço questão disso. Porque ele ser o primeiro, para mim não é vantagem nenhuma. Primeiro é aquele menino lá do morro que conseguiu terminar o curso primário, porque aquele não tem ninguém por ele. Meu filho não faz vantagem nenhuma. Mas, desde que o critério é esse, o critério estabelecido tem que ser obedecido, ou então acabamos com a lei. Tem que
obedecer. Você que estabelece o critério de ser o primeiro, então, é o primeiro, está entendendo? Para a menina, não sei se deu alguma coisa. O meu, foi toda a vida primeiro aluno. Toda a vida. E, hoje, não é titular porque não tem concurso para titular. É adjunto 4, doutor em Matemática. Escreve... participa... - enfim - da banca de doutoramento. Já fez até um pós-doutoramento lá, naquela cidadezinha no norte da Itália... você sabe, onde tem um time de futebol... perto assim... Do lado está, aqui... É do lado, vamos dizer, você olhando a carta... é à direita, lá em cima... Não tem uma cidade?... João: Deve ser Milão... Dra. Anna: Não, não, não. Milão é mais para cá. É uma cidade... tem o nome de um time de futebol famoso, onde lá jogavam, um desses nossos, mas, enfim. Depois, eu me lembro, também. Então, são essas coisas. Então, eu não fiz... então... eu lá vi o negócio da Casa dos Sargento, fui lá tomar dados, essa coisa toda. Vi Góis Monteiro votar... Lá, então, a gente fazia cível, fazia tudo. Só que, foi o primeiro concurso que apareceu, foi o daqui, não é? E apareceu um que não era de Direito, especificamente, que era... como é que se chama? É um que o Dr. Izidoro fez... João: Procurador? Fiscal? Dra. Anna: Não, não. Era ligado à imigração. Técnico de Imigração. Ele fez e a mulher dele fez também. Depois, eu acho que ambos fizeram para Procurador. E depois que eles fizeram pra cá.
João: Procurador eu já sabia... Dra. Anna: Não. Ele foi Técnico de Imigração. Ele e a mulher dele. A mulher dele era Procuradora, não fez pra cá. Continuou Procuradora. E aí, apareceu o concurso, e eu me inscrevi no concurso. Tive... Parei um pouquinho de trabalhar, para estudar para o concurso e, a essa altura, eu já tinha um filho, e estava grávida do André... Eu acho que estava no iniciozinho da gravidez do segundo. Esse que é advogado... E, aí, estudei. As pessoas me perguntam: O concurso foi difícil? Pra mim, foi. Foi difícil porque, existe aquela expressão, muito usada hoje em dia: relação custo-benefício. É tão mais difícil quanto mais você estudou, e menos conseguiu, não é? Foi o caso. Porque eu tinha estudado muito, estava preparadíssima. Fiquei em 30º lugar. Porque o Pires Chaves tinha uma velha rinha com a Betze de Barros, que era Diretora Geral, por causa de um cargo do qual eles não podiam tirá-la... Ela está viva, você sabe? João: Está viva, eu sei. Dra. Anna: E ela está morando até perto de mim. Então, ele não podia tirá-la. E ela, que era uma pessoa muito inteligente... - Ela era comadre do Izidoro, madrinha de uma filha dele, que se chama Betze. Ele ficava possesso porque, às vezes, ele mandava fazer... queria que ela fizesse uma coisa... Doutor Carvalho me ensinou que isso aqui não se pode fazer assim.... Ela sempre chamava por Carvalho... A ...agora, se o senhor quiser dar um despacho dizendo pra eu fazer, eu faço porque aí é o senhor que está mandando. Eu, assim, oralmente, não posso fazer isso não. Então, ele ficava
desesperado. E, ele, o Pires Chaves, tinha um velho sonho de chegar ao Tribunal Superior. Mas, a não ser que houvesse uma coisa completamente fora de propósito, ninguém ia fazer de um juiz do Regional da 1ª Região. Ministro do TST, passando por cima do Délio Maranhão. Era o Délio e o Amaro que eles sempre convocavam. Eles convocavam o Délio e o Amaro. O Superior era aqui... João: ...aqui no 8º andar. Dra. Anna: ... e ele, parece, que tinha veleidade de lá... Então, ele... Eu posso lhe dizer, com a idade que eu tenho, eu já posso dizer. Acho que não há pedido dessas pessoas, porque são pessoas... - acho que não pediriam a ele - mas ele, ele achou que, beneficiando alguns candidatos que tinham pedigree muito bom, que eram de famílias conhecidas, ou de pessoas que ocupavam cargos, isso o ajudaria. O certo é que ele...- pelo menos, dois casos da oral - ele não podia ter dado dez a estas duas pessoas. Porque as pessoas não sabiam; eram pessoas que não lidavam com Direito do Trabalho, e não advogavam. E, não advogando, e não lidando com o Direito do Trabalho... Dependendo do ponto que você tirasse, era muito difícil você conseguir e... teoricamente, você conseguia. Mais ou menos. Uma pergunta mais prática, assim... João: A pessoa não saberia... Dra. Anna: A pessoa não sabia. Teria que raciocinar muito para conseguir. Numa prova escrita, você até consegue. Mas, na oral... Enfim... Ele... na prova escrita... Não havia, assim, essa malícia. Eu, uma vez, falei inclusive com o Délio, disse:
Olha, Délio, é o seguinte... a gente não podia dar nota baixa a alguém que ele deu nota alta, se a pessoa fez uma prova boa. Eu digo: Mas o senhor tem que lutar com a arma do adversário, isso é dialético. O senhor luta com a arma do adversário. Se ele vem de espada, o senhor não pode vir de canivete. Quer dizer, se ele dá nota alta a uma pessoa, e o senhor mantém a mesma nota alta, o que o senhor vai fazer com o... na hora em que o senhor der uma nota alta e ele der uma nota baixa, mas, sensivelmente baixa?! Ele fez isso com diversas pessoas. Mas, pessoas que não tinham ninguém por si. Ele achava que nós podíamos, talvez, galgar uma classificação melhor. E que isso poderia prejudicar o outro. Houve um que...- esse eu tenho certeza, embora não possa provar - de que ele colaborou expressamente, porque o próprio candidato me disse: ANão sei como entenderam minha prova, estava toda escrita pelos lados. Era a prova prática, que ele foi o primeiro a corrigir, e essa pessoa não advogava na Justiça do Trabalho, não tinha a menor condição. Esse não tinha a menor condição de tirar dez na prova escrita, porque era uma questão muito específica da Justiça do Trabalho. Só os advogados que militavam aqui tiraram dez. Eu, inclusive, nesta prova, tirei oito com o Délio e seis com o Amaro. E eu militava aqui. Mas não tinha uma militância tão grande de Trabalho como tinha, por exemplo, o Fiorêncio... João: ... o Dr. Fiorêncio... Dra. Anna: ...Christóvão, que trabalhava no escritório do Borghini... entendeu? Eles tinham uma militância de todo dia. Eles só faziam Direito do Trabalho. E a gente, fazia
outras coisas, entende? Então, esse rapaz, tirou esse colega meu, que já morreu, tirou dez na prova. E eu desconfiei, porque a filha dele, que nasceu na época do concurso, ele deu pro Pires Chaves batizar. E a menina até morreu (ele não abençoou bem a criança...). Ele tinha dois filhos homens, teve essa menina. E, quando ele disse pra mim: Não sei como entenderam a minha prova... Eu olhei pra cara dele assim... Ele chamou lá. Ele foi o primeiro que corrigiu a prova. Nós tínhamos uma prova teórica, depois tivemos uma prova prática. Ele corrigiu o primeiro, depois passou para o outro e tinham feito um rodízio. Todo mundo sabia que ele corrigiu em 1º lugar. Tudo bem... que nunca achei .... não deveria... Ele não sabia quem eu era. Ele só sabia que eu ... Meu pai era de origem humilde. Mas a minha mãe tinha um pai que era professor universitário, embora ele... Professor universitário? Não! Professor de ensino médio. Meu avô era filho de francês com brasileira. Meu bisavô veio da França pra Ouro Preto. Ele tinha estudado no seminário, na França, para ser padre. Ele descobriu que não dava pra ser padre. Veio embora. Mas era um homem que tinha um nível de instrução muito bom. Ele tinha uma casa comercial... Mas, os primeiros professores... Inclusive, quando o Imperador fundou a Escola de Minas, em Ouro Preto, os professores convidados eram todos franceses e vieram... Um dos quais, o Thiré, que é pai... que é o ascendente de todos esses Thiré. Tem o marido da Tônia Carreiro, e daí pra baixo. Um que escrevia o livro de matemática também. Era o filho dele... o Cecil Thiré Melo e Souza, e Euclides Roxo. Era o livro que eu estudei. E Melo e Souza era o Malba Tahan.
João: Malba Tahan... Dra. Anna: É, que depois do capítulo, ele fazia o homem que calculava... Então, o que acontece: o meu avô era professor do Ginásio Mineiro e o Ginásio Mineiro era o único de lá. Era como o Pedro II aqui. Todo mundo estudava no Pedro II, embora existissem outros colégios. Inclusive, naquele tempo você estudava em qualquer lugar e podia prestar o exame lá no Pedro II, aqui e lá ... que era o colégio estadual. Chamava-se curso de Humanidades. Bom, isso é do tempo que minha mãe estudou. Então, o que acontece? Ele tinha sido professor do Ministro do Supremo, não é?... Assim, todo mundo o chamava de professor, todo mundo parava na rua para conversar. Naquele tempo, não eram tantos. Quem eram os professores? Mendes Pimentel, pai do Carlos Mendes Pimentel, que foi juiz aqui pela vaga da Procuradoria, o velho Mendes Pimentel... Era o... como se chamava o professor de latim?... chamava-se.... o professor de latim, tinha.... o mais bonito... o mais... a frase mais... são duas palavras que... está no cemitério do Bonfim em Belo Horizonte, que é o cemitério mais antigo. Tem escrito assim: Mortem Moriturem: aos mortos os que vão morrer. Está escrito no cemitério do Bonfim. Ele era... Esqueci o nome dele agora. Todos os professores eram de altíssimo nível. Era historiador... Era gente assim, como aqui, no Instituto de Educação e no Pedro II. Só era professor de altíssimo nível, entende? E, então, ele tinha sido professor de pelo menos dois que eram Ministros do Supremo, naquele momento. Um, inclusive, foi colega de turma da minha mãe:
Orozimbo Nonato. João: ... Orozimbo Nonato... Dra. Anna: O outro era... aquele que era penalista... Nelson Hungria entendeu? E tinha uma porção de gente, o próprio [Mendes Pimentel?]. Todo mundo, todos mineiros daquela geração da minha mãe tinham sido alunos dele, todo mundo. E do Rio Grande do Sul. Eu, depois, eu, inclusive, na hora de ser nomeada, houve problema lá. Quiseram vetar a gente. Depois de a gente ter feito o concurso, o concurso ter sido homologado, queriam vetar. E aí, quem não deixou vetar chamava-se... era Ministro da Justiça na época... aquele de Santa Catarina... como é que se chama? Você sabe... Estou lembrando dos nomes com atraso... João: Isso foi em 1959? Não... Já a homologação foi em 1960? Dra. Anna: O concurso foi homologado em 56, eu fiquei em 30º lugar. O concurso foi homologado, mas depois foi prorrogado, porque o número de vagas era muito pequeno. Eu já entrei na prorrogação. A Emma também entrou na prorrogação. Havia poucas vagas. Acho que havia dez vagas, catorze vagas. E nós éramos muitos. Alguns desistiram, não quiseram fazer. Por exemplo, o Paulo Emílio de Vilhena, que chegou a ser juiz aqui, depois desistiu. Voltou a ser advogado em Belo Horizonte, e depois se concursou por lá. O Nader Cury Saade - irmão do meu colega - do Cury, que também, depois, foi para a Procuradoria do Estado. É da Procuradoria da Justiça. Tinha um rapaz, também, do Rio Grande... Do Paraná! Também desistiu. Alguns, depois, foram para a
Justiça Comum. O marido da Emma... como é que ele chama? Buarque de Amorim. João: Mas ainda foi homologado no governo do Juscelino, em termos de... Governo Federal, de Presidente... Dra. Anna: Não. Foi antes. João: Mas, no período do Juscelino... Dra. Anna: Não. Foi homologado... Nós fizemos o concurso em 56. João: Em 56 já era... Dra. Anna: Já era Juscelino. João: Então, foi homologado no governo Juscelino. Dra. Anna: Mas, sim. A homologação foi feita no Tribunal, não tem problema nenhum. Eu, inclusive, fiz até recurso. Porque o Pires Chaves deu dez a todos os que tiraram... Era assim: ficava... O Amaro presidia. O Délio, aqui; ele, ali. O Amaro era o Presidente do Tribunal, então, ficava no meio. O Délio. Ele, aqui. Todos que tiravam dez e dez, ele repetia a nota. Só não repetiu comigo. Se você olhar o resultado, vai ver que todos que tiravam dez e dez, tiraram dez com ele. Ele não examinou, disse: ARepito a nota dos outros. A minha, ele examinou. Me deu zero. João: Zero!? Dra. Anna: Me deu zero, me deu zero. Aí, o nosso amigo, o advogado... esse com quem trabalhou com o Christóvão, o...
João: Fiorêncio. Dra. Anna: Fiorêncio... era o... era o ... João: Borghini. Dra. Anna: Borghini. O Borghini foi na casa do Délio... Foi um escândalo. Porque ele queria, assim... O Direito Constitucional Inglês, de antes da Magna Carta...= E, tinha caído para mim, tinha caído assim: Constituição; Poder Constituinte; Controle da Constitucionalidade das Leis... um negócio assim. Mas, eu tinha estudado tudo. Eu sabia até, naquela época, como era na Coréia. Você sorteia o ponto com 24h de antecedência. Eram três pontos, né? Ainda dava tempo, com 24h de antecedência. Para quem já estudou... Para quem já estudou, de aprofundar um pouco. Bom, aí, ele falou lá. E o Délio e o Amaro o apertaram muito. Aí, ele deu quatro. Porque a nota não foi anunciada na hora. Aí, ele me deu quatro. Então, com isso, ele me deu dois na prova. Olha, a prova, essa prova de sentença que nós fizemos... Eram só três provas. A prova de sentença eu tive três... não: eu tive seis e oito. Ele deu dois. Ele tinha marcado as provas, porque ele não fez só comigo. Ele fez com outros também. A prova teórica, que saiu assim: Dos Negócios Jurídicos em Geral@, não tinha nenhuma questão feita. Era só isso: um tema, pra você desenvolver. Eu tive nove, nove; ele deu três. Poxa, você tirar nove numa prova com o Délio Maranhão, e o cara vem e dá três... João: É inconcebível... Dra. Anna: E, na oral foi dez, dez e quatro. Então, eu passei,
passei até na média. Naquela época a média era geral, mas até nessa que era 8 e 6... porque 8 e 6, 14; e 2, 16: deu 5,3. Então, eu fui aprovada. Mas fiquei lá para trás. E até que eles... eles... o Celso Lanna levou assim uma chamada do Délio quando eles foram... foi proposta esse... foi proposta a prorrogação da validade do concurso. Ele virou e falou: Eu acho que não se deve prorrogar, o concurso foi muito fácil... Aí o Délio olhou para ele, como ele sabia em certas horas: Vossa Excelência não pode opinar, porque Vossa Excelência não participou da banca e... - Até é uma ofensa à banca, não é? Dizer que o concurso foi muito fácil... -Vossa Excelência não participou da banca e Vossa Excelência não participou em nada. Vossa Excelência não assistiu a uma prova do concurso, Vossa Excelência não pode dizer que o concurso foi fácil. Mas, tinha gente muito boa. Depois o David Moussa foi pra lá, foi para a Justiça Comum, o Barcelos foi para a Justiça Comum. Outros, quer dizer, preferiram, porque fizeram nos dois lugares, e passaram. Outros, que foram para a Justiça Comum: Wellington Pimentel, o Salomão... então alguns foram pra lá. Outros quiseram ficar aqui mesmo. E aí, eu fui finalmente nomeada, tomei posse, eu já fui, portanto, ... O nosso concurso terminou no dia do meu aniversário. João: 5 de outubro. Dra. Anna: Foi. O resultado do concurso foi dado no dia do meu aniversário. 5 de outubro de 1956. Eu já estava grávida, e meu filho nasceu em fevereiro de 57. Aí até que fizessem a... como se diz... tinha que publicar o resultado... Depois, fizeram a homologação, aquilo tudo. As primeiras
nomeações saíram, parece, que em fevereiro ou março de 57. Daí foi Christóvão... João: ...Fiorêncio... Dra. Anna: O Christóvão; o Sinésio, que era cunhado do Rattes... Sinésio Alves... O próprio Salomão foi, mas depois passou pra lá [para a Justiça Comum]. O Fiorêncio, o Wellington, uma porção de gente. Padilha, acho que foi um pouco depois, não foi logo dos primeiros. E eu só fui, tomei posse em dezembro. Naquele tempo, não havia recesso. Nós tomamos posse dia 23 de dezembro. Aí, foi Francisco Melo Machado o orador do nosso grupo - já faleceu - que era muito meu amigo. Quem mais? Francisco Melo Machado, o Alédio... João: Alédio Vieira Braga? Dra. Anna: É. Vieira Braga... O Valmir Monte Cristo, que já era funcionário. Foi funcionário, depois fez concurso. Nós éramos, acho, que sete. Eu tenho os nomes lá em casa, mas vai... João: Doutora, bem, a senhora já militava, também, na Justiça do Trabalho... em termos... Dra. Anna: Militava, militava... João: Então, essa passagem da advocacia para ser juíza, e o exercício da profissão, foi tranquilo? Dra. Anna: Não foi tão tranquilo pelo seguinte: porque havia... a coisa mais difícil... que era o problema da execução. No processo trabalhista, naquele tempo, não se dispunha do
que se dispõe hoje. É claro que os processos eram mais simples, no sentido de que as razões de pedir eram menos onerosas. A coisa aumentou drasticamente com a Constituição de 88. Até 88... Houve aumento..., mas, assim, sabe... Por exemplo: criaram o 131 salário, não é? Criaram mas foi, assim, sendo feito aos poucos. João: O Fundo de Garantia... Dra. Anna: É, o Fundo de Garantia. Mas o Fundo de Garantia substituiu a Estabilidade. Mas as coisas foram sendo feitas aos poucos, e havia tempo para você absorver, entende? É, mais ou menos, como você fosse mudando de cidade, ou de casa, aos poucos. Mas, como era uma coisa... A Constituição aumentou barbaramente o leque de razões de pedir. Inclusive, criou tipos de Ação, e tudo isso. E com isso liberou a Procuradoria. Porque a Procuradoria, ao mesmo tempo em que ela defendia a Lei e a Sociedade, ela defendia o Poder Público. Então, você não podia, ao mesmo tempo, defender Collor e defender a Sociedade Brasileira. De vez em quando, você pode. De repente, um presidente... - eu falo Collor porque ele foi quem mais se distanciou... João: É... é emblemático.... Dra. Anna: ...quem mais se distanciou nos últimos tempos... Todo presidente - seja de Tribunal, seja da República, seja da Câmara - todo aquele que exerce poder pode cometer um erro. E, a grande importância do Direito Moderno não é garantir a defesa do seu direito contra um outro cidadão como você. Difícil é a ação contra o Poder. Essa é a grande coisa. Quando
os reis... quando se chegou ao Poder Absoluto [Estado Absolutista], ao poder dos reis, depois da Idade Média... era justamente porque eles [os nobres] eram todos iguais e tinha que ter alguém que desempatasse. Então, chegaram ao rei. Mas o que acontece é o seguinte: os reis e todos os detentores de poder também cometem arbitrariedades. Então, você tem que ter uma arma contra aquele que comete a arbitrariedade. E é essa a grande coisa. E, quando o Ministério Público passou a defender a sociedade e a Advocacia Geral da União é que passou... Não se iluda: nos Estados Unidos, o Nixon teve advogado particular. Ele não foi defendido por ninguém do Estado naquela história do Watergate, entendeu? Porque nós copiamos muito que não presta; quando presta, a gente não copia. Não copia porque dá muito trabalho, entendeu? Lá, por exemplo, ninguém recebe um presente que custa mais de... US$10. Não pode receber. Ainda agora, um desses ministérios mandou, no dia da secretária, mandou, eles devolveram tudo que eles receberam no dia da secretária, porque o pessoal que precisa do ministério começa a dar presente... João: Questão do foro privilegiado, também, lá, acho que é mais restrito. Dra. Anna: É muito restrito. Na França, por exemplo, o presidente não responde, mas assim que termina o mandato dele, no dia seguinte, ele é citado. Quer dizer: suspende, mas não corre prescrição. Aqui corre prescrição. Como é que pode?! Se você não pode... ser... não há como... tem que suspender prazo. Enfim. Aí, o que acontece, então? Na realidade, a
execução era complicada, embora... Porque havia muita empresa pequena, a gente não encontrava... A malandragem não era tanta. Já havia alguma, mas não era tanta. Nós ainda tínhamos um pouco da tradição portuguesa que, quando falia, ele perdia até a camisa do corpo. Se nós tivéssemos ficados fiéis à tradição portuguesa, a malandragem na sociedade brasileira...não teria sido... Todos esses nouveaux riches da Barra provavelmente não o seriam. Porque eles trabalhavam como mouros (porque a expressão é deles: trabalhar como um mouro). Trabalhavam como mouros para ganhar a vida. Quando eles vinham, eles queriam o filho doutor, quando eles vinham, e nenhum dos filhos ia assumir o negócio, eles convertiam os antigos empregados em interessados na casa. Davam gratificação de natal - no tempo não havia 13º -, e ofereciam a eles pra que deixassem aquele dinheiro na própria casa, pagando a eles um juro melhor do que o banco pagava. E eles deixavam o dinheiro na casa, eles se tornavam interessados. Porque, com aquilo, eles participavam do lucro. Você vê como era, o negócio era muito mais honesto, muito mais correto... porque até hoje... João: Era uma espécie de participação nos lucros... Dra. Anna: É. Uma espécie de participação nos lucros, porque eles iam privilegiando aqueles mais antigos. Porque esses conheciam tudo: Esses não vão deixar a minha casa morrer. Morreram as casas do Rio de Janeiro por isso. Hoje tem a Colombo, mas não é dos... tem a Colombo, tem a Chapelaria Alberto. Tem a Granado. Mas as casas todas sumiram. Você vai à Europa e põe lá... Eu, outro dia, pra
mostrar pra minha... é pra humilhar a gente... é desde 1400... o Brasil não estava descoberto e esse comércio já existia... entende? Aí, você chega lá e encontra uma pessoa calma, tranquila. Um homem de 60/70 anos; uma mulher, também dessa idade, que te servem com a maior gentileza. Conhecem tudo. João: ... todo o métier ... Dra. Anna: Conhecem o métier. Conhecem tudo. Você, hoje, entra numa casa de tecidos do Rio de Janeiro, eles não sabem o nome da fazenda... Está na frente dele, e ele não sabe. Porque nós perdemos a tradição. Mas, não existia, portanto, erra mais fácil. Era mais fácil porque as pessoas eram menos desonestas. E, havia uma característica dos advogados. Um advogado como o Borghini, como o Selmann, como aquele... como é que se chama, bom, depois eu vou lembrar o nome... Esses escritórios, que eram grandes escritórios, e advogavam para grandes empresas. Borghini era advogado da Shell, que era uma potência. Mas advogavam sindicato. Quase gratuitamente. Como os médicos, bons, que tinham o consultório em cima da farmácia, para dar consulta de graça, e a gente comprava o remédio embaixo. Ou então... João: Comparando, como o Pedro Ernesto, que era da Academia de Ciências e dava consulta de graça e, ao mesmo tempo, era cirurgião e membro da Academia de Cirurgiões dos Estados Unidos. Dra. Anna: Pois é. Até hoje, aqui, são as Santas Casas, onde o chefe da clínica trabalha naquilo por amor do nome. Então,
isso existia, e os advogados faziam isso. Então, você sabe de quem... de que sindicato o Borghini era advogado? - claro, que o sindicato não podia pagar nada pra ele; pagava, mas uma coisa simbólica - Do Sindicato dos Marceneiros. Sabe quem era a alma do Sindicato dos Marceneiros? Chamava-se Roberto Lorena. Era amigo do Comitê Central do Partido Comunista, e lutou na guerra da Espanha. Lutou - como Malraux, como os intelectuais da Europa lutaram - contra Franco. Então, era um negócio que... Ele tinha até uma piada e ele contou pra nós... Um dia o Christóvão foi lá e viu O Capital de Karl Marx, e disse: O senhor tem aí O Capital de Karl Marx, o senhor já leu? Ele olhou assim pro Christóvão, - Achei ele tão bem nascido... e disse assim: ...eu vou fazer uma brincadeira com esse rapaz... E falou: Olha, sabe que eu comecei a ler, mas, sabe que eu parei? Mas parou por quê, Dr. Borghini? - Estava quase ficando convencido... Entende? Eram essas coisas... Eu comecei ... Claro, que contei com a má vontade do Pires Chaves toda a vida. Toda a vida. Ele guardou, vamos dizer assim, ele guardou pra mim o ódio dele, de eu ter conseguido passar, ter sido aprovada. João: Essa implicância era ideológica, doutora? Dra. Anna: Olha, ele tinha sido de esquerda na juventude. Mas ele era do grupo do Vitorino Freire, no Maranhão. E ele entrou aqui no Tribunal cometendo uma... passando pra trás os outros. Porque ele quis contar o tempo dele - de 1ª Instância - de lá pra aqui. E não é possível. O sujeito entra... - ele conta pra aposentadoria, mas ele não conta pra promoção por antiguidade. E ele conseguiu fazer isso, e passou na frente
do... passou na frente de alguém... não consegui passar na frente do Simões Barbosa, porque o Simões Barbosa pulou e... Passou! Passou na frente do Simões Barbosa! João: Dr. Simões Barbosa, também, era da década de 40, daquela época... Dra. Anna: Simões Barbosa foi presidente muito antes dele. Passou na frente dele. Eu acho que, não sei de quem ele passou. Mas ele conseguiu contar o tempo lá, e foi promovido na frente. Quer dizer, as pessoas...- é muito raro, a não ser em caso patológico, como O Médico e o Monstro, não é? Na verdade, o indivíduo só tem uma personalidade. E essa personalidade, ele acaba deixando transparecer em determinados momentos. Ele fez aquilo que ele pôde. Ele fechou o Tribunal para que o Corregedor do Tribunal Superior não pudesse fazer a Correição. Ele fez um Ato fechando o Tribunal, e... - isso eu conto também no que eu escrevi - então, o que acontece? ...Porque disse que não aceitava a Correição porque havia autonomia nos Tribunais... Fez isso.... João: Mas, já naquela época?... Dra. Anna: Mas isso foi o argumento dele. Ele fechou. O Honório [Anastácio Honório de Mello], que era um colega de concurso, que era presidente da 10, fez um ofício ao Corregedor dizendo A.. a minha Junta está aberta... Essa ele não pode fechar. Se ele tem autonomia para fechar o Tribunal, eu tenho autonomia para manter a minha aberta. E pôs à disposição do presidente. Uma vez, baixou um processo pra mim que veio do Tribunal
Superior com uma decisão lá, com a qual ele não concordava. Ele só tinha que baixar pra mim. Baixou pra ele. Baixou pra mim, para eu executar. Ele pôs assim: Não cumpriria... Quer dizer: não cumpriria o Acórdão do Tribunal! ANão cumpriria porque o Acórdão fere isso, fere aquilo.... Ele, insinuando que eu, um juiz de 1º grau, deveria descumprir o Acórdão! Por isso que te disse que é possível. Quer dizer: a Dóris fez porque tem gente que faz essas coisas... João: Gente..., mas é um negócio.... Dra. Anna: Ele fez isso num processo meu. Depois, num processo em que Cossermelli era advogado. Ele tinha a mania de chamar os outros vosmecê. Então, ele levantou com raiva, não sei o quê: Mas, vosmecê... Aí, eu olhei para a cara dele, e disse assim: Dr. Cossermelli, enquanto eu estiver sentada nessa cadeira, o tratamento que me é devido é o de Excelência. E o senhor vai me dar esse tratamento.Ele saiu furioso. Arguiu a minha suspeição para funcionar no processo. Foi só isso. A suspeição era, naquele tempo, apreciada por qualquer membro da Junta, pelos membros da Junta. Foi rejeitada. Ele entrou com um Procedimento Judicial contra mim. Foi ao Tribunal. Foi distribuído pro Délio, Relator; Amaro, revisor. Ninguém mandou que eu falasse: vão arquivar! Porque não existe Procedimento Judicial, existe Reclamação ... Correição Os dois votaram pelo arquivamento. O Pires Chaves puxou para ser considerado como - ou como Representação, ou como Reclamação Correicional. E a maioria do Tribunal fez isso. Então, mandaram pra ele. Pra conhecer como Reclamação ou como Reclamação Correicional. Aí, julgou como Correição.
E não mandou me ouvir. O regimento mandava me ouvir, mas não mandou me ouvir. E baixou, dizendo que era pra fazer como o Cossermelli dizia, que era pra fazer como no Código de Processo Civil. Mas, tinha uma regra expressa na Consolidação! Porque o Código do Processo Civil, a gente só aplicava subsidiariamente, no silêncio da Consolidação. Eu vi aquilo, fiz uma Reclamação Correicional contra ele, por descumprimento da boa ordem processual, ao Corregedor Geral, e ganhei. Aí, ele ficou com mais ódio de mim. Quando veio 64, ele recebeu uma correspondência do DOPS, Departamento de Ordem Política e Social... - Até a Constituição [de 1988] todos os direitos dos trabalhadores estavam na Ordem Política e Social; eu sempre brincava com os patrões: Olha, isso aqui é o mínimo pra manter a ordem político social, se vocês não fizerem isso vai haver revolução... quem está dizendo isso é a Constituição, não sou eu não... Não era Direito Fundamental não; era Ordem Política e Social. Então, você precisava pagar salário-mínimo para manter a ordem pública e social, entendeu? Quer dizer... por isso que eu estou dizendo... a direita é burra! É porque a esquerda não para pra pensar. Mas, sabe o que a esquerda é? É muito festiva, no Brasil. Pára pouco para estudar. Se estudar um pouco, desmascara todo mundo. Num instante, desmascara tudo. Então, o que aconteceu? Ele recebeu aquela correspondência que queria que mandasse o nome de todo mundo do Tribunal - tinha que mandar nome de juiz, classista, suplente, funcionário... Todo mundo que tinha... Ele mandou a lista
toda. Pegou no setor de pessoal, e mandou. Aí, mandaram para eles as fichas de polícia -daqueles que tinham ficha, naturalmente. Então, tinha de tudo. Tinha gente que tinha assinado a favor do chamamento... dos partidários da paz... Tinha gente que tinha homônimo que trabalhava no cais do porto e que era do sindicato... Tinha um classista - que inclusive me deu até um livro... - ele era representante dos professores. Ele estava, nesse dia, que eles disseram que estava num comício, ele estava - isso ele pôde provar porque ele tinha a passagem de avião - ele estava a bordo do avião, indo para um congresso mundial de professores na Europa. Tinha de tudo. Ele mandou mostrar isso, e o Honório contou. Ele mostrou a ficha para o Honório, o Honório olhou assim e A-Ih! Só isso que eu fiz na vida?! Eles estão muito errados, eu fiz muito mais coisas do que isso...·. João: Essa ficha está pouca... Dra. Anna: É que o Honório é daquela turma de 37, que se formou em 37, no Rio. É a turma do Délio Maranhão, do Evaristo de Moraes Filho, da Alzirinha, do... do meu professor de processo penal ...Era da turma do desembargador Severo, daquele que foi também o primeiro ministro da desburocratização... João: Hélio Beltrão Dra. Anna: Era uma turma pequena. Era a Nacional de Direito. Naquele tempo, era muito pouca gente. Em 37, Getúlio, 10 de novembro, pouco antes da formatura, fez o Estado Novo. E a Alzirinha puxou o nome do Getúlio para
paraninfo. E o pessoal, o... (quem que eles escolheram?... agora esqueci, eu sabia perfeitamente...). Eles fizeram uma formatura em separado. Então, o orador era do Partido Integralista. Nessa época, eles ainda não tinham atacado o Palácio do Catete.... Então... - Mas, ele foi muito correto em 64. Porque a mulher do Evaristo de Moraes Filho - esse que é acadêmico, que era nosso professor de Direito do Trabalho - pediu a ele ajuda. E ele foi com ela a todos os porões pra encontrar o Evaristo. Evaristo estava preso num porão da Ditadura por causa da denúncia de um aluno, que disse que ele estava pregando o socialismo em sala, não-sei-o-quê... E ele nunca escondeu que era socialista. O pai já era. Então, era... Ele foi muito decente. Mas, na época, ele era de direita, e era do Partido Integralista, foi orador. E, o Evaristo de Moraes foi orador dos dissidentes. Elegeram... quem? Então, é a turma da Alzirinha. Essa turma era muito famosa, não é? Depois... também, o Délio tem uma carreira... Quando se formou o Tribunal Regional, quase que ele não foi. Ele só foi porque ia - parece - ao teatro com a mulher; e tinha outro casal, e tinha um... tinha um almirante - o sogro do Délio era almirante. E, alguém: AMas, como você não vai? E foi esta pessoa quem interferiu. Porque já não iam com ele nem pro Regional. Ele ia... depois.... Ia depois, entendeu? Ele ia depois porque foram chegando vagas... Ele não ia nem para o Regional. E o Délio não foi para o Superior porque tiveram que dar vaga para alguém que desse vaga no PSD mineiro, você sabe dessa história, não é? João: Sei... Acho que quem conta isso, também, é o Dr. Süssekind, naquele livro...
Dra. Anna: É. O Süssekind também conta. Então, ele não foi... ?? João: Starling, é o nome da pessoa. Geraldo Starling. Dra. Anna: Tem um genro dele, foi juiz, era casado com uma filha dele. Era la de Ponte-Nova, bacharel, mas não entendia nada de Direito do Trabalho... João: Disse que quando soube da história... no livro do Süssekind conta isso... Dra. Anna: que ele soube o quê? João: Que quando ele soube que foi no lugar.... Dra. Anna: ... do Délio... João: É que ele ficou até... Dra. Anna: Pois é. É que era pra abrir vaga para o Oliveira Brito. Porque o Oliveira Brito era quem entendia de Constitucional, e precisava estar na bancada do PSD. E, sabe quem pediu essa vaga do Délio? Quem pediu foi o... o advogado do Prestes... o Sobral Pinto. Sobral Pinto, porque o Juscelino queria fazer dele Ministro do Supremo, por causa da atuação dele no caso do Juscelino. Ele disse: Não, não quero, quero ser é advogado ..., Mas, quando o Délio Maranhão [inaudível] E eu, então, fiz a minha carreira assim. Fiquei dezoito anos no 1º Grau ... aí ele abriu, quando veio meu nome, com uma lista. Ele fez uma coisa: começou a chamar pessoas para deporem contra mim; mas eu não sabia nem que tinha um processo aberto. Ele instaurou uma sindicância, e chamou vários advogados. Fez uma coisa... eu tenho lá em casa, eu acho que posso até
oferecer isso... (não... eu tenho medo de oferecer o original; acho que comigo é melhor, sou capaz de dar para a Biblioteca Nacional...). João: A Senhora pode tirar uma cópia ... Dra. Anna: Eu tenho a íntegra do processo. Me foi dado. O Aloysio que me deu. Já vai pro arquivo..., Ele falou: Vão queimar isso, fica com a senhora. Tem um depoimento coletivo dos diretores de secretaria. Ele chamou todos os diretores, cada um falava uma coisa. Aí, ele mandava datilografar. Quando chegou ao fim, o Valdir Damásio, que era da 10ª: Mas, eu só disse isso aqui, como é que eu vou assinar isso tudo? Aí, o outro: É. Mas eu também não disse... Aí, ele arranjou uma frase só: ...sabem, por ouvir dizer, que a Dra. Anna é comunista.... É a frase... Depoimento coletivo! Isso pra você ver. Ele era um homem inteligente. Ele era confuso nessa coisa de escrever, mas ele era inteligente e bem preparado, mas era um pouco confuso nestas coisas de escrever. Mas, por isto que eu digo que a coisa que a Dóris fez: mandar parar o cumprimento do Acórdão transitado em julgado... Ele também: tomou um depoimento coletivo dos diretores de secretaria! Depois, ouviu: Cossermelli - esses todos depuseram contra mim - Cossermelli, Marino de Assis Ramos... Marino de Assis Ramos, uma semana depois, escreveu no jornal... não sei qual o jornal aqui do Rio... - que era preciso se acabar com as filigranas jurídicas e prender todo mundo. Prender sem processo. Ganhou de presente... - era um advogado medíocre - Foi juiz do Tribunal pela vaga dos advogados. O governo militar o pôs lá. Depois, quando
se criou a vaga de advogado. Cossermelli, Marino de Assis Ramos, Cury Neto... Cury Neto, que foi casado com a... ele tinha um escritório grande, ele foi dono da Socila, chegou a ser casado com a irmã do Luís Paulo, com a Carlota. Tem até uma filha, mas o casamento acabou. Cury Neto e Noce Filho, esse... Uma vez perguntaram: Você é preconceituosa? Não que eu seja preconceituosa, mas entre tantos advogados, esse rapaz, esse Noce Filho só teve dois processos comigo. Ele ganhou o que ele defendia o patrão, e perdeu o que ele defendia o empregado. Ele não pode dizer que eu sou de esquerda, não é? Por coincidência... Uma coisa simples, matéria de prova, você vai fazer o quê? Nada. Os outros eram sabidamente maus-caráteres. Todos os três. João: Esse último advogado, doutora, o nome... Dra. Anna: Noce Filho. O primeiro nome é Arnaldo... Noce é um nome italiano: ene-ó-cê-é. Ele era de uma família de Belo Horizonte, que eu até conheço. E... o Cury Neto... O Cury Neto - durante o governo, nos primeiros dias do governo militar, quando houve... ele trouxe aqui - ele com Pires Chaves - homologaram demissão de estável, dentro do gabinete dele... Sem distribuir, sem nada... Pessoal! Pessoal metalúrgico, que estavam muito comprometidos. O sindicato tinha feito aquela reunião dos marinheiros lá, aquela coisa toda... Ele fez isso. E o Marino era advogado da Klabin, e advogava para empresa de ônibus. E o outro era o ... - a filha não tem nada com isso, mas ele era, positivamente, uma das figuras mais detestáveis da Justiça Trabalhista... Porque era um homem de alta inteligência, escrevia muito bem, mas
escrevia de forma agressiva... A frase dele tinha duas palavras, era assim [mostra com um gesto]. Parecia uma ponta de lança. Era de uma maldade... extraordinária. E eu, na época, eu ainda falei assim: Pois é, esses aqui depuseram contra mim. Eu sei que procuraram uma porção de gente, que se negou a depor. Inclusive, perece que do escritório do Perez e Rezende, parece que se negaram. Um outro, que esqueci o nome agora, esse advogado já faleceu. Gente, eu estou com uma memória... João: O Borghini ainda existia? Dra. Anna: Não. Ele morreu cedo, tinha problema cardíaco. O Borghini morreu num fim-de-semana, num chope. Ele morreu num fim-de-semana. No dia seguinte, eu tive uma audiência, tensíssima, em que estava todo o Sindicato dos Marceneiros, inclusive com o Roberto Lorena. Foi publicado. Eu devo ter o jornal lá. Tiraram meu retrato na audiência. Foi quando [empresa cujo nome ficou inaudível] fechou num fim-de-semana; deixou os empregados - todos - sem emprego e sem salário. Foi nesse dia. E, estava o Tibau, que era advogado, sozinho pela [inaudível] Ele tinha morrido no fim-de-semana. Era a primeira audiência que eu ia fazer com Borghini, depois que eu fui juíza substituta. Então, foi difícil. Porque Pires Chaves fez tudo, fez tudo. Ele sabia que eu tinha dificuldade em estar na audiência de manhã, quando eu era substituta, porque tinha filhos pequenos. Eu tenho cinco filhos. Tem problema de escola e tal, não é? O Doutor Pires Chaves faz questão...Um dia a Margarida me disse: Doutor Pires Chaves faz questão que a senhora vá... Eu digo:
Eu vou. Mas vou adiar tudo para a de tarde. Só vai atrapalhar a secretaria, que vai notificar tudo de novo...Eu não posso deixar os meus filhos sozinhos. Não há necessidade. Não há nada que me obrigue a dar audiência de manhã. Pelo contrário, na Justiça as audiências sempre foram a tarde. Aqui que se inaugurou esta história de audiência de manhã. Foi Padilha, Christóvão, Regina Uchôa... que gostam de dar audiência de manhã..., Mas eu não gosto. Ainda mais numa cidade grande, onde às vezes a gente não consegue chegar. João: Com certeza. Nos dias de hoje, então... Dra. Anna: Mas, isso era o direito de cada um. Cada um marcava a audiência na hora em que queria, desde que fosse entre oito horas da manhã e seis horas da tarde. Era o que dizia a lei. Mas, aí, eu respondi a processos. Ele votou contra mim. Era para encaminhar... sei lá para onde eles queriam encaminhar... Aquele setor que fazia as cassações, não é? O Tribunal não podia nem cassar. Era um ato do Poder Revolucionário. Era do Poder Revolucionário ... Então, votaram contra mim, ele e o representante dos empregadores, que vinha a ser pai... sogro... Pai, também: ele tinha um filho aqui que foi diretor de secretaria. Era sogro do... um que foi diretor da 16ª por muitos anos... Dra. Anna: A senhora dele, que era filha desse classista - que ele era classista dos empregadores, não é? Mas, são certas coisas... Depois, teve um câncer nas cordas vocais, ficou usando aparelho. Ele foi durante muitos anos... - só havia dois no Tribunal: um dos empregados, outro do empregador...
João: Doutora, a senhora, falando de representação classista - desculpe lhe interromper -, mas, entrevistando o Dr. Fiorêncio, o Dr. Christóvão... agora, a Dra. Amélia; o Dr. Guilbert Vieira Peixoto, nós entrevistamos também - essa questão da legitimidade da representação classista, ela vem da origem da Justiça Trabalhista... Dra. Anna: É, vem da origem... João: ... da questão mesmo do Estado conciliar a relação capital-trabalho, como a senhora analisa isso? Dra. Anna: Olha a representação classista, o Süssekind vive dizendo isso, ela não começou no Brasil, e ainda é praticada. João: A OIT pratica... Dra. Anna: ...Não! [não somente] É praticada pela França. A França não tem juiz togado no 1º Grau da Justiça do Trabalho. São dois representantes dos patrões e dois representantes dos empregados. Se empatar, eles chamam um juiz. Mas não é de carreira o que vem desempatar. Ele vai desempatar diante da prova, dos elementos dos autos. Isso existiu em muitos lugares. Aliás, eu acho que é na Polônia, que, até hoje, que eles têm um juiz classista para questões de Família. Tem um representante do sexo masculino e um representante do sexo feminino. Um homem casado e uma mulher casada nas coisas de Família, além do juiz de carreira. João: Interessante ... Dra. Anna: Isso é uma coisa interessante. Eu acho que na Polônia, não tenho certeza. Mas eu fiz um estudo sobre
isso, talvez eu encontre. O que acontece? Na verdade, a justiça, assim, paritária... Você sabe que em 34 teve uma Constituição votada, não é? Em 37, houve uma Carta Constitucional outorgada. Eu continuo brigando com todo mundo que chama, não sabe distinguir Carta Constitucional de Constituição. E, essa Carta, que foi outorgada pelo Estado Novo, que, aliás, coerentemente, se chamou Estado Novo, e fez uma Carta Constitucional... porque, segundo a Teoria Constitucional, esse é o documento que dá nascimento ao Estado, diz como ele é constituído, quais são seus poderes fundamentais. Os direitos e deveres; os órgãos de poder; os direitos e deveres do cidadão. É isso que é a constituição. Eles fizeram a Carta e, evidentemente, [havia] um grande domínio do fascismo no mundo. Já tinha em Portugal, tinha na Espanha, tinha Itália... então, o que fizeram? ... Sem falar na Alemanha, que era nazi-fascismo... Eles fizeram o seguinte: ele quis, ele achou que era necessário um órgão que apreciasse essas divergências. Mas ele achou que pondo lá um representante dos trabalhadores - e não é representante dos empregados: desde a Consolidação está escrito trabalhadores, tem um pessoal que nunca soube ler, mas estava escrito lá: trabalhadores - e dos empregadores, o que ele fez? Isso fazia que essa Justiça fosse mais respeitável e mais respeitada. Ou, pelo menos, as decisões dela não seriam tão facilmente atacáveis, porque, afinal de contas, quando você participa de um órgão... não é? Você não pode dizer que o que ele faz está errado. Você pode é brigar dentro dele, você pode até ficar vencido, não é isso? É como acontece nos partidos políticos. Um professor que eu tive de Teoria do Estado, um
professor francês, foi até um professor francês num curso de especialização que eu fiz aqui. Eles eram quatro professores franceses... Ele dizia o seguinte: os grandes inimigos do Estado Moderno, a gente fica achando que existe capitalismo, socialismo, que essa é a grande antítese: não. Sabe qual é a grande antítese, que é combatida por todo mundo? Os ricos. O rico não aceita Estado nenhum. Seriam, como aqueles espanhóis, os anarquistas. Mas, mais do que isso. Eles não obedecem a regra nenhuma. Ah, mas fulano chegou lá e falou isso e falou aquilo, que o empregado estava..., Mas: eles vieram! O que significa? Quando eles vieram significa que eles admitiram o seu poder, admitiram a sua autoridade. Aquele que não vem, esse sim. Esse é que põe em risco o Estado constituído. João: Porque ele ignora o Estado... Dra. Anna: Porque ele ignora o Estado. Mas, eu acho que esse pessoal não leu direito nem Constitucional nem Teoria do Estado. Eu tenho a impressão que... - nem História, porque a História conta tudo direitinho pra gente, direitinho, é só você querer, e está tudo ali. Então, a coisa foi indo, eu tive grandes dificuldades. Mas até que eu cheguei a titular. Ele uma vez... Eu ainda era substituta, o Pires Chaves mandou cobrar que eu devia não sei quantos processos. E aí, eu fiz o levantamento. Eu tinha ido pra Vara - para a Junta, naquele tempo - do Gerardo Magella. E o Gerardo estava assim: ele ia, subia, descia, ia pro Tribunal, descia... Cada vez que ele subia e descia, tinha um outro substituto. Aquilo começou a ficar uma balbúrdia, não é? E
ninguém tinha compromisso com a Junta, já que ia ficar um mês. Eu fui pra lá. O Gerardo, ou ele pegou uma convocação mais longa... Eu fui pra lá. Eu estava lá há seis meses. Quando ele mandou cobrar, eu fiz o levantamento e mandei pra ele. Eu devo 40 processos, 40 estão atrasados. Agora, olha como eu encontrei a Junta, e como ela está. João: A senhora fez um histórico.... Dra. Anna: Fiz um histórico. O prazo, quando eu cheguei lá, era de 80 dias para marcar a primeira audiência. É claro que você, para recuar, você tem que pôr mais processos em pauta e, para pôr mais processos em pauta, você aumenta a sua agenda, e sobra mais sentença. Fiz tudo. Mas, também, isso ele nem me respondeu. João: A senhora lidava bem com essa questão da representação classista... Dra. Anna: Muito bem. Com a representação classista, muito bem. Porque, naquele tempo, ela não tinha se deteriorado. Ela começou a se deteriorar depois. Naquele tempo, os representantes dos empregadores eram empregadores. Eram sócios de empresas. Não havia esse negócio de tanta sociedade anônima, e tanto testa-de-ferro de empregador. E os representantes dos empregados, eles eram dos sindicatos, podia ser um sindicato..., mas eram... Basta dizer o seguinte: eram sindicatos fortes. Inclusive, tinha gente dos portuários, tinha gente dos marceneiros, tinha gente de gráfica. Romita o pai do Romita foi classista. E ele era do Partido Socialista: o Giovanni Romita. Ele, inclusive, funcionou comigo uma
vez, no tempo em que eu era convocada na 4ª Junta. Ele foi cassado em 64, ele era vereador pelo Partido Socialista. Então, tinha gente muito correta, muito honesta. E que, realmente, conversava com a gente. Uns tinham mais instrução; outros, menos instrução, mas naquele tempo não havia um Murilo Coutinho, fundador de 14 sindicatos. João: A senhora acha que começou a se deteriorar quando? Dra. Anna: Começou... essas coisas começaram a se deteriorar... Essas coisas todas começaram a se deteriorar.. tudo se deteriora... Porque, por exemplo, o funcionalismo da Justiça do Trabalho era ótimo. Aí, começaram a contratar gente pelo regime trabalhista. Contratava todo mundo pelo regime trabalhista, sem concurso. Porque fulano indicou. Tinha até filha de manicure de filha de juiz. Eu não tenho nada contra a manicure, nem contra a filha da manicure, mas... Essa gente não tinha compromisso com ninguém... Depois, veio a Constituição e mandou aproveitar, entendeu? O pessoal não tinha... João: Quebrou a carreira, não é? Dra. Anna: Quebrou. Já havia juiz no Tribunal que nomeava como diretor de secretaria - como o próprio Lanna, que nomeou o irmão -, nomeava a irmã. Mas o Délio nunca nomeou ninguém... Inclusive o Pires Chaves nomeou os filhos dele para cargo de confiança, sem concurso, à revelia do Délio. Todos dois não aceitaram. Para ver se quebrava... Você veja como ele era: a maldade... É um episódio que eu também narro.
Então, a representação classista não tinha nada... Aí, depois, o que aconteceu? Em primeiro lugar - olha como eles quebraram a Justiça do Trabalho, o governo militar - a primeira coisa, logo depois, foi 64; depois, foi em 67. Eles fizeram aquela Carta em 67. Eles, aí, criaram vagas para advogado e para procurador. Ora, o Tribunal tinha dezessete membros. O que aconteceu? Foi para dezessete, mas os dezessete eram assim: onze togados, - já começou que um terço tinha que ser de classista, não é? Antigamente, em nove, tinham dois; que não era nem um quarto. Pouco menos de um quarto. Dezessete; seis classistas. Depois, dos onze togados; sete de carreira, dos quais, sempre vai um por merecimento, e outro, por antiguidade. O de merecimento é lista tripla do Presidente da República, que nomeia quem ele quer - dos três, evidentemente -, mas ele nomeia quem ele quer... E, os advogados e procuradores não é como agora. [Era] livre escolha do Presidente da República. E, quem foi [nomeado]? Marino de Assis Franco, o... Marco Aurélio, que depois deu lugar para o Pimenta. Pimenta tinha quase um mês de formado quando foi ao Tribunal. Ele era classista, entendeu? Então, foi Marco Aurélio, foi Marino de Assis Ramos. Só teve um que era bom, era Procurador: que era o José Mendes Pimentel. Não sei porque cargas ele foi. Aí: o Flávio... Flávio era um sargentão. Flávio tinha sido sargento... João: É, pela biografia, pelos dados que a gente tem... Dra. Anna: Ele não tinha... Ele mandou abrir, ele mandou abrir processo aqui... Ele recebeu uma carta anônima, mandou abrir processo... É de lei que a denúncia anônima,
Então, a representação classista não tinha nada... Aí, depois, o que aconteceu? Em primeiro lugar - olha como eles quebraram a Justiça do Trabalho, o governo militar - a primeira coisa, logo depois, foi 64; depois, foi em 67. Eles fizeram aquela Carta em 67. Eles, aí, criaram vagas para advogado e para procurador. Ora, o Tribunal tinha dezessete membros. O que aconteceu? Foi para dezessete, mas os dezessete eram assim: onze togados, - já começou que um terço tinha que ser de classista, não é? Antigamente, em nove, tinham dois; que não era nem um quarto. Pouco menos de um quarto. Dezessete; seis classistas. Depois, dos onze togados; sete de carreira, dos quais, sempre vai um por merecimento, e outro, por antiguidade. O de merecimento é lista tripla do Presidente da República, que nomeia quem ele quer - dos três, evidentemente -, mas ele nomeia quem ele quer... E, os advogados e procuradores não é como agora. [Era] livre escolha do Presidente da República. E, quem foi [nomeado]? Marino de Assis Franco, o... Marco Aurélio, que depois deu lugar para o Pimenta. Pimenta tinha quase um mês de formado quando foi ao Tribunal. Ele era classista, entendeu? Então, foi Marco Aurélio, foi Marino de Assis Ramos. Só teve um que era bom, era Procurador: que era o José Mendes Pimentel. Não sei porque cargas ele foi. Aí: o Flávio... Flávio era um sargentão. Flávio tinha sido sargento... João: É, pela biografia, pelos dados que a gente tem... Dra. Anna: Ele não tinha... Ele mandou abrir, ele mandou abrir processo aqui... Ele recebeu uma carta anônima, mandou abrir processo... É de lei que a denúncia anônima,
tinham que ser indicados para o Presidente do Tribunal. João: Já era uma lista fechada... Dra. Anna: Já estava fechada desde a eleição, e, para ser, era preciso ter dez anos de exercício da profissão. Dez anos de exercício de profissão e, pelo menos, dois anos de sindicalização. O Murilo Coutinho: era ele, a mulher, a cunhada, a filha e o genro. A filha, nunca conseguiu provar que tivesse trabalhado na profissão... Eu fiz o processo. Me arrependi, já estava aposentada. Ela nunca conseguiu provar que tivesse trabalhado na profissão. Nunca. Inclusive, para mal dos pecados, ela entrava como dependente dele. Depois de casada, ainda estava como dependente no Imposto de Renda dele. Porque eu pedi que ela apresentasse a declaração de Imposto de Renda, para ver se tinha algum rendimento naquela profissão. Porque era propagandista... não-sei-o-quê.... Ela podia ser autônoma... João: ...que era uma forma de provar, né? Dra. Anna: Ela não juntou. Bom, mas como ela era muito jovem, pode ser que a declaração tivesse... porque ela se casou, e então, ele devia estar, até certo ponto, na do pai, e depois, na do marido. Eu pedi a juntada da do pai, porque, na época, ela era menor, ela era... não sei..., Mas sei que o Saraiva me indeferiu um ofício, e disse que eu o conseguisse. Como nós o conseguimos, inclusive, até me acionou por causa disso: Disse: A senhora vá lá na Receita Federal... Eu não sou obrigada, como advogada, a dizer como consegui o documento. Nisso eu tenho o sigilo profissional. Eu não
sou obrigada a dizer. Agora, está aí. Está declarada a filha como dependente dele, e ela é casada. E o que ela ganha, não constou. Porque, você, depois de maior, você pode até constar da mesma declaração, desde que o seu rendimento conste, não é? É isso tudo... Então, essas são as coisas. Agora, também, até... O nosso amigo Pires Chaves foi cassado, dizem que não foi por corrupção, mas só pode ter sido... João: ...que não foi por uma questão ideológica... Dra. Anna: Questão ideológica não foi. Pelo contrário, porque ele perseguiu todo mundo que era de esquerda. Agora, perseguiu para se cobrir, entendeu? O negócio dele era muito emocional... Agora ele, eu não vou te jurar que ele levasse dinheiro, mas ele ajudava advogados que eram sabidamente desonestos. Naquele tempo, na execução da sentença que o juiz dava, na liquidação da sentença, não cabia... Cabia um recurso: um agravo para o Presidente do Tribunal. Não era para o Tribunal, não era para a Turma. Era para o Presidente do Tribunal. Ele reformava a sentença da gente, conforme... Eduardo Cossermelli era um que ele reformava sentença... E não cabia mais recurso nenhum. A sentença estava dada, reconhecendo o que você tinha o direito de receber, não-seio-que-que-tem... A sentença tinha sido mantida no Tribunal; portanto, o direito existia; na hora de liquidar, ele convertia aquilo em nada. Em zero. Ele apresentava uma porção de recibos, uma porção de coisas... Ele compensava e acabava... E foi por isso que se fez a Reforma da Consolidação. Esse artigo da Consolidação, por causa disso, ainda no Governo militar, foi mudado...
João: ... para que fosse distribuído para uma Turma, para um colegiado. Dra. Anna: Para que a competência passasse a ser da Turma. E foi no Governo Militar. Agora, quando foi na minha promoção no Tribunal, eu entrei cinco vezes [pra ser promovida por] na lista de merecimento. Cinco vezes. João: A senhora, da 1ª para a 2ª instância, gostava mais de atuar aonde? Dra. Anna: Você é mais juiz em 1º grau. Por quê? Porque você reúne uma coisa que, nos outros países, está dividido. Há países em que existe juiz de instrução e, depois, o juiz que julga, que aprecia. No Brasil, não existe nível de instrução. Nós não temos ninguém do Poder Judiciário, nem junto às... - como a gente vê nos filmes americanos - uma pessoa... - ou mesmo na França - uma pessoa que trabalhe junto com a polícia. Então, nós fazemos tudo. Desde o princípio. Desde a citação até a sentença. Depois, ainda fazemos a execução. Então, ele tem muito mais poder. Poder de instruir o processo e de apreciar bem. Aí, para o 2º grau, é dividido, porque é um colegiado. Em primeiro lugar, é dividido. Em segundo lugar, você não toma a prova. Você aprecia a prova que já está lá escrita. Tem consequências mais graves no seu julgamento da matéria de fato. Mas, como seu julgamento se dilui muitas vezes. Porque, no meio de cinco ou, no mínimo, três, isso se dilui: basta que a maioria vença. O máximo que você pode fazer é o que eu anunciei fazer no Tribunal. Acabaram de votar e eu anunciei: Estou comunicando ao Tribunal que o meu voto divergente vai começar assim: Houve ofensa
literal de exposição de lei federal...Porque eu tenho que abrir o Recurso de Revista para o doutor que está ali, e que tem razão. João: Quando a senhora verificava que havia... Dra. Anna: Nunca, num caso em que eu fiquei vencida, eu deixei de justificar o meu voto. João: Mas, em termos de gosto? Tanto faz Dra. Anna: Eu gostava de ser juíza. Eu li muito Sherlock Holmes. Eu gosto de investigar. Eu gosto de descobrir. Tem colegas que têm raiva de ouvir testemunha. Faz umas duas perguntas e depois verifica - na hora h - que faltou alguma coisa... podia ter perguntado um pouco mais... É cansativo. Leva muito tempo. Mas é extremamente gratificante você descobrir que, ao perguntar, você chegou à verdade. A ponto de um representante dos patrões, um dia levantar - esse eu me lembro que dei a sentença na hora, ele levantou e disse: A senhora é adivinha? Não, doutor, infelizmente, não. Se eu adivinhasse, possivelmente, não me pagariam. E, seria muito mais fácil. Não adivinho, mas a gente vai deduzindo pelos elementos que tem, e pela prática que tem. Eu sempre gostei de uma coisa ou de outra. Agora, no Tribunal, às vezes, é cansativo. Porque o ritmo de trabalho das pessoas é diferente. Suponhamos... - agora, não existe mais prova porque não existe mais revisor - o relator, às vezes, vem com uma coisa insatisfatória para você. Você sente que falta alguma coisa, e precisa pedir vista. E você começa a ter um trabalho superior às suas forças. O debate entre o advogado e o órgão julgador,
no sistema brasileiro, é nenhum. Porque o advogado fala sozinho e ninguém interroga. A Suprema Corte nos Estados Unidos debate com o advogado. Porque a gente está ali para descobrir o que aconteceu. O Direito, em si... Dizer o Direito é muito difícil. Porque a lei está posta, só que existem diversas interpretações. Se você conhece bem a lei... Bem! Porque tem gente que conhece mal! Conhece uma lei básica, e não conhece uma porção de outras leizinhas esparsas que estão por aí, e que interferem. Também, uma apreciação da lei no sentido de qual é o objetivo da lei, aonde é que se quer chegar. É como lei processual. Se você interpreta uma lei processual no sentido de parar o processo, você está interpretando mal, porque >procedere= quer dizer >prosseguir=, quer dizer >caminhar=. A lei processual, ela existe para fazer o processo caminhar. Ela é o caminho a seguir. Ela não existe para fazer parar. Se você está interpretando um dispositivo no sentido de fazer parar, quando você deveria fazer continuar, alguma coisa não está bem na sua interpretação. A lei é social. A lei, compreensivelmente... Veja bem! No Direito Penal todo mundo sabe que o maior bem é a vida. Dentro dos Direitos Humanos, o primeiro direito é o direito à vida. Ora, o que é trabalho senão emanação de vida? Ninguém, nunca, achou que devia dar direitos trabalhistas... Existe lei de proteção aos animais, mas ninguém, nunca, deu direito trabalhista aos animais. Por quê? Porque não é uma atuação consciente e eficiente para obter um determinado fim. Mas, se isso é feito em seu próprio benefício, é para você. Mas, se é feito em benefício de outra pessoa, que se apropria da sua força de trabalho, e a utiliza em benefício próprio, o trabalho tem
que ser defendido, porque é emanação de vida. Não é porque é trabalho ou deixa de ser trabalho. O capital é trabalho acumulado. A máquina existe como? Você encontra alguma máquina, aí, rolando na natureza? Não! Existe só matériaprima e trabalho. Vocês já viram essa encíclica...o Vaticano II, uma coisa assim, ele diz assim, quando faz ofertório: Nós vos oferecemos o pão feito do trigo e do trabalho humano.... Não fala no capital, não. O Vaticano II não fala do capital. E não fala o vinho, fala a uva porque a uva vem da natureza. Agora, o homem a transforma. Claro que usa a máquina. Se a máquina é considerada capital..., mas ninguém, nunca, encontrou uma máquina pronta. Todo mundo sabe que a máquina é feita... Até o mínimo instrumento!... Até quando você pega um pedaço de pau e faz um estilete, você fez um instrumento..., Mas, são uma matéria-prima e um trabalho que geram um instrumento, que depois você vai usar, como um palito... Então, já estou resguardando meus direitos autorais, porque eu tenho uma ideia que eu tenho que desenvolver: o porquê do nó que existe no Direito do Trabalho, que não existe nos outros Direitos. É que todo mundo aprende, quando estuda Direito, que o homem, o ser humano não pode ser objeto do Direito. Só pode ser sujeito do Direito. Você não exerce o direito sobre outra pessoa. Você não pode, porque isso seria escravidão. E foi por isso que, para poder ter escravo, eles transformaram o escravo em coisa. Porque, filosoficamente, já estava estabelecido. Então, o escravo era coisa e por isso você exercia o direito sobre ele. Porque, no momento que ele vira pessoa, você não pode exercer o direito sobre ele. Você não pode exercer o direito sobre a pessoa, mas você
se apropria da manifestação da pessoa, que é o trabalho; a força de trabalho. E a única pessoa que usa, no livro, força de trabalho é o Délio Maranhão. Ele não fala trabalho, ele fala força de trabalho. Quando o empregador contrata uma pessoa, chama para trabalhar para ele, executar um trabalho para ele... Mas ele não faz como se fazia antigamente, ele não compra o trabalho que você fez. Se ele comprasse o trabalho que você fez, você seria um artesão; e faria o trabalho, e venderia o trabalho, incorporando o valor da matéria-prima, o desgaste da ferramenta e o seu próprio esforço. Era o que se fazia na Idade Média. No mundo capitalista era quem produzia, se não produzisse, evidentemente, nós ficamos naquela situação de ter que dar um tratamento diferente. Tanto que, como princípio, eles queriam dar à força de trabalho o tratamento de uma energia. E é uma energia. Mas não podia ser como as outras energias, porque as outras energias não são geradas pelo ser humano. E, tem mais uma coisa: as outras energias você pode acumular, e essa não. Porque, o trabalho que você não realizou hoje, a força de trabalho que você não usou hoje - você não pode guardar para usar amanhã... Só quem é mau aluno acha que pode estudar tudo num dia só... Não estudou o ano inteiro, a acha que vai poder estudar tudo num dia só! Mas, não pode. Não é isso. Não há como acumular. Pode ter até acumulador de energia. Você pode até represar a água, você pode conter um vento. Você não pode represar a força de trabalho do homem. Não dá para guardar. Então, é emanação de vida. Isso as pessoas não entendem. Por isso o Direito do Trabalho custou tanto a aparecer. Porque isso é uma afirmação muito perigosa, porque é a afirmação que está
na base do socialismo, da teoria socialista. O ser humano, de si mesmo, só tem a força de trabalho. É a única fonte que ele tem pra sobreviver. É só sua força de trabalho. E, assim mesmo, quando criança... nem isso, não é? Ela tem que ser sustentada pela coletividade até que ele chegue à condição de poder usar a sua força de trabalho racionalmente. Custaram muito a admitir o Direito do Trabalho. João: Eu ia perguntar isso para a senhora, porque alguns [dos entrevistados] Dr. Fiorêncio, Dr. Tostes Malta, no geral, colocaram que, no início, nos primórdios da Justiça do Trabalho, nos anos 50, anos 60, o Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho, no âmbito do Poder Judiciário, era uma justiça de... segunda divisão... Dra. Anna: ...de segunda classe... Linha auxiliar... Existe um livro maravilhoso sobre isso, de Novoa Monreal - um chileno que acabou publicando o livro no México, naquele tempo do Allende e tal, quando implantaram a ditadura militar - era O Direito como Empecilho ao Progresso Social. Esse livro existe traduzido em português. E, lá, ele diz que o Direito do Trabalho é tido como direito de segunda categoria pelo seguinte: primeiro, ele é um Direito muito novo. Quer dizer, só é possível a partir do capitalismo, só é possível a partir da Revolução Francesa, que reformulou todos os conceitos de contrato, e aquela coisa toda. Depois... Até depois! Porque, na Revolução Francesa, eles ainda proibiram as organizações intermediárias entre o poder e o cidadão! Não podia haver associações, sindicatos... E, muito depois é que se fez... Mas, enfim, ali é que surge realmente o capitalismo, porque era
uma revolução burguesa. Embora o pessoal ache, na sua santa ignorância, que é uma revolução proletária, e não é. Foi uma revolução burguesa. A primeira manifestação viva... o Marx teve... porque realmente a Revolução Francesa foi uma luta de classes. E foi vitoriosa. Embora, depois, possa ter tido Napoleão... É por isso que não fico muito assustada com esse negócio de socialismo na União Soviética, nem um pouquinho porque lá eles tiveram rei, imperador, todas essas coisas... E a república teve que voltar! Porque não tinha como não voltar... A gente dá uns passinhos para trás, mas, de repente... A força do progresso é mais forte. Mas, então, o que eu estava dizendo: o Direito do Trabalho... Então, primeiro: ele é muito novo. Quando você pega as manifestações de Direito Penal, sobretudo Direito Civil, vêm de Roma, assim, muito estruturado. Ele tem séculos de estruturação, que ele foi sendo polido, foram sendo eliminadas as imperfeições, as asperezas, as impropriedades, até de linguagem, e tudo isso. E, evidentemente, com o tempo, ele foi se tornando uma coisa muito mais elaborada. O Direito Civil é muito mais elaborado. O Direito do Trabalho é uma coisa muito menos elaborada. E, também, tem uma coisa... - ainda mais hoje em dia, porque o trabalho é uma coisa de natureza dinâmica, não é? A família - pode haver o dinamismo de nascerem pessoas, de nascerem crianças -, mas o tempo que se leva é muito grande... O trabalho, não. Ele é uma coisa de todos os dias, tem uma manifestação diurna, e aquilo que mais se faz no mundo é trabalhar. Mais do que comer ou dormir. É aquilo que os homens mais fazem. O mal, também, foi que acharam de dizer que Adão foi condenado
a ganhar o pão com o suor do seu rosto, e virou condenação. E tendo virando condenação... Hoje, o pobre brasileiro, o povo brasileiro, para mim, quando eu vejo como eles se comportam, às vezes, com tanta revolta, com tanta violência, com uma violência até contra aqueles que estão procurando fazer coisas, fazendo coisas até em benefício deles... Eu acho o seguinte: na cabeça dele, como descendente de escravo, ele acha que ele tem que não fazer nada para ser importante. Ele só vai ser importante no dia que tudo vier e ele... e cair tudo do céu para ele, entendeu? Ele tem aquele preconceito contra o trabalho... João: Ainda aquele preconceito de elite... Dra. Anna: Aquele preconceito, porque é elite: porque o mandarim tem unha desse tamanho, assim, ela chega fazer assim... curva... Ele não pode nem pentear o cabelo, não pode nem escovar um dente, ele não pode tomar um banho, ele não pode fazer nada. Tem que se fazer tudo para ele. Marcelo: Aversão ao trabalho é próprio de um país... Dra. Anna: Então, o trabalho é uma coisa... Eu não vou te dizer como diziam nos campos de concentração: Você se liberta pelo trabalho, que é vergonhoso. Mas, na verdade, o trabalho - não é que ele liberte - o trabalho... Quando você faz coisas... - qualquer que seja a coisa que você faz: você pode praticar um esporte, você pode fazer música... - O homo faber - o homem que faz -, ele desenvolve as suas potencialidades, tudo aquilo está dentro dele. Nós, na verdade, somos seres infinitos e eternos, porque existe tanta coisa dentro de nós, e
se a gente pensar que, como não existe a hereditariedade, que a gente existiu sempre. Na verdade, desde que existiu um homem, nós todos estávamos dentro desse homem, dessa mulher... Se não, nós não existiríamos. Nós não nascemos, não tem... como se diz... geração espontânea, não existe. Nós somos infinitos e eternos. E somos todos diferentes uns dos outros. Temos uma potencialidade extraordinária. As pessoas, em vez de se aproveitarem disso, dizem: Ah, porque eu não dou para isso... Porque eu não sei ... Porque fulano é que se deu bem... Parece até que o outro ganhou na loteria esportiva, entende? Então, para mim, a Justiça do Trabalho... Eles tentaram desfazer a Justiça do Trabalho com essa atitude do governo militar, porque, como eu disse a vocês: onze, com dois e dois: quatro; mais seis: dez. Então, eram dez que eram nomeados pelo Presidente da República, contra sete que não eram, que eram de carreira. Então, com isso, eles tentaram acabar... Infelizmente, para eles ou felizmente para nós, não durou muito. Então [a Justiça do Trabalho] está se recuperando e a História... Hoje já há movimento até para acabar com a representação dos advogados e dos procuradores. E eu, dos procuradores, eu não digo nada, porque os procuradores hoje são concursados, tem dez anos de carreira, entram em lista sêxtupla, tríplice, tudo. O pior são os advogados, porque, infelizmente, os diversos órgãos da Ordem dos Advogados estão indicando pessoas sem nenhum nível, sabidamente desonestas, para serem postas numa lista sêxtupla. E o Tribunal, ainda que seja todo composto de gente honesta ou, que pelo menos tenha a maioria honesta, o que pode fazer? Tem que escolher três daqueles seis. Ou,
senão, tem que sair por uma tangente: não demonstrou alto saber jurídico... Porque eles põem gente que não sabe nada, que não passa em concurso nenhum, e é indicado por alto saber jurídico. João: A senhora acha que a representação do Ministério Público ou dos advogados é importante para o funcionamento do Tribunal? Dra. Anna: Será e seria, na medida em que eles trouxessem ideias novas. Porque, alguém que já é juiz há muito tempo, fez a carreira toda, se distanciou de certos problemas. Então, o Ministério Público, desde que o Ministério Público... Esse novo Ministério Público que surgiu com a Constituição de 88, que está desligada da Advocacia Geral da União, e desde que a Ordem dos Advogados... Agora, eu sei que, ultimamente, eles fizeram prova... A OAB aqui faz prova, você sabia? Para o sujeito... Só admitir como candidato a candidato, houve prova. Porque, afinal de contas, como é que você vai dizer >não= a alguém? O sujeito faz uma lista de 200, 300, 500, 1000 advogados, indicando o nome deles. Você vai fazer o quê? Tem que haver alguma forma, pelo menos provar conhecimento. Porque tem aí outra coisa que não se prova que é a honestidade. Honestidade, infelizmente, não se prova. João: Caráter e honestidade não se provam em concurso. Dra. Anna: É, mas havia uma coisa que eles podiam fazer. Era fazer um seríssimo exame de adequação profissional. Tem a parte de psicotécnico, isso deviam fazer. Agora, não o psicotécnico organizado por psicólogo que não sabe o que
é juiz. É preciso que esses psicólogos, que organizam isso, saibam o que faz um juiz, qual o poder que o Juiz tem, o que ele vai fazer, como é que ele vai ter que se comportar, para ele poder ter uma ideia de quais são as qualidades que ele tem que descobrir, se aquela criatura tem... João: A senhora já puxou a minha outra pergunta. Ou melhor, duas. O que a senhora acha mais necessário para um juiz? O que pesa mais na sua consideração, em sua opinião? É a questão do saber acumulado - o saber acumulado, no sentido da pessoa que estuda... por exemplo: faz especialização, mestrado, doutorado, etc. - ou, no caso, é a pessoa que é formada em Direito, bacharel, estuda, mas, antes de tudo, advoga, carrega toda aquela experiência de trabalho acumulada, principalmente no caso do Direito do Trabalho, que é a Justiça mais social de todas, não é? Dra. Anna: Olha, o Cabanellas - que era um espanhol, que fugiu do regime franquista e se radicou na Argentina e produziu muito - ele considera que o melhor campo, quer dizer, o setor que pode fornecer os melhores juízes, é o grupo de advogados, desde que... ele inclusive faz duas advertências: as pessoas ligadas à polícia não dão bons juízes, porque elas sempre privilegiaram a força; as pessoas ligadas - eu vou falar uma coisa, os funcionários não vão gostar, embora haja muitos juízes bons que foram funcionários. Um funcionário tem temor reverencial. Porque, você vê como é aqui, um funcionário não pode se dirigir diretamente ao Presidente, tem que se dirigir ao Diretor Geral. Eu acho um absurdo, mas é assim. E eu tive experiência na minha vida, de uma
colega minha que foi funcionária. Foi dizer para meu marido que era muito perigoso o que eu estava fazendo. Eu disse: Frank, perigoso, ela tem temor reverencial porque toda vida foi funcionária. Eu não tenho. O que eu escrevi está certo. Porque não pode o Juiz Distribuidor distribuir uma coisa que ele sabe estar errado distribuir. Não pode distribuir. Agora, pior fica para mim, porque ele distribui, e eu sou obrigada a dizer que a competência não é nossa, e mandar para outro lugar. E aí, a pessoa: Que justiça é essa? Um juiz diz que pode; o outro, que não pode...Do mesmo nível! Que não é nem é superior! E eu fiz um ofício para o Presidente do Tribunal dizendo que a Justiça do Trabalho parecia uma hidra de sete cabeças da forma como estava. Porque estavam distribuindo matéria de acidente de trabalho...O sujeito dizia assim: Sofri um acidente de trabalho, o empregador não me encaminhou ao órgão próprio, quero responsabilizar... Não pode responsabilizar sem saber se houve o acidente de trabalho. Eu não posso apurar se houve o acidente de trabalho. Portanto, tem que ir primeiro para o avalista do trabalho, para apurar. Sabe por quê? Até porque lá, a Previdência Social - já naquela época era responsável - lá ela responde se houver acidente de trabalho, e, daqui há a dez anos, vier uma lesão consequente, a Previdência Social responde, mas o patrão não responde. A Previdência Social nunca vai responder porque ela não foi lá, ela não foi parte no processo. E fazia assim: mãe fazendo reclamação pela filha, não é assistindo, não. Eu tive três: a mãe pela filha, o irmão por outro irmão e a mulher pelo marido. E, a todos os três eu fui obrigada a dizer: não pode, você tem que ir ao sindicato. O sindicato é
que tinha que promover, ou, então, tem que ser promovido por um membro da categoria profissional. Você não pode. Ah, mas o meu irmão está doente. Eu não posso fazer nada por ele? Eu digo: Você está tratando dele pessoalmente na sua casa? Não, senhora, ele está no hospital, está com médico. Eu digo: Pois é. Para a doença, o médico; para o processo, o advogado. O senhor procure o advogado do sindicato que ele faz. Eu não posso fazer. Eu sou obrigada a arquivar. O senhor é parte ilegítima. O senhor não pode representar. Então, eu acho o seguinte: eu acho que o advogado, como ele [Cabanellas], os advogados... E ele ainda chama a atenção: não advogado que seja muito antigo, porque os advogados antigos não vêm, porque já fizeram uma grande banca, já estão ganhando muito dinheiro. Um advogado, que tenha um razoável tempo de advocacia, primeiro. Em segundo lugar, eu continuo pensando - como os ingleses, porque, segundo o Délio Maranhão, a Justiça Inglesa é a melhor justiça do mundo. E lá, não há carreira, nem concurso: o juiz inglês... numa daquelas - eu não sei como é a divisão administrativa, eu esqueci agora - mas, enfim, se numa região precisa ser nomeado um juiz, o rei nomeia. Mas o rei escolhe um advogado militante dali, e que seja o mais respeitado pela população local. E não faz carreira, não tem promoção, não tem nada. Ele é nomeado para ali, morre ali. Morre juiz ali, está entendo? Então, os ingleses dizem o seguinte: que ele tem que ser uma pessoa honesta, tem que ser uma pessoa de extremo bom senso, respeitosa, enfim, todas essas qualidades humanas que a gente acha e termina assim: se souber um pouco de direito, não faz mal algum. É bem do inglês, não é?
Por quê? Porque eu tive a oportunidade de ver que não eram os juízes que tinham mais estudado que davam as melhores sentenças, as sentenças que iam mais de encontro ao que constava no processo: a prova, ao depoimento. Há juízes muito bem preparados, que são também excelentes juízes, mas isso não é uma regra geral. Outra coisa: não adianta fazer - eu fiz mestrado - mas não adianta fazer mestrado, doutorado: porque o mestrado, o doutorado, no Brasil, se destina a formar professores. Nós não temos, infelizmente, no Brasil, um curso universitário, de extensão universitária que se destine a formar julgadores. E isso precisávamos ter. Porque eles ficam perguntando, como perguntam no Senado, quando estão investigando lá o, eles perguntam do Direito, Direito ele sabe. Precisa saber outra coisa. O Ministro do Supremo - eu quero saber como ele se posiciona diante das grandes questões políticas da sociedade brasileira. João: ...e não saber se ele sabe mais Direito Penal ou Direito Constitucional... Dra. Anna: Mas, não é isso, entendeu? Ele tem assessor, ele vai e tal. Mas ele precisa ter paciência. É um juiz de instrução: é um juiz impaciente, não ouve testemunha, trata mal as pessoas, compele a falar: AMas o senhor está falando isso... Senão mando o senhor preso! É assim que falam. A gente tem um jeito melhor para desconcertá-lo. Um dia, um advogado entrou, tinha tanta hora-extra que ele pediu... Eu olhei pra ele, falei: O doutor está parecendo o Tartarin de Tarascon. Ele dizia que fugia dos árabes, e os árabes reluziam ao sol. Ele dizia assim: Mil árabes reluziam ao sol
com setenta mil dentes. Então, está parecendo o Tartarin de Tarascon. Porque ninguém tem setenta dentes na boca. Então, mil árabes não podem ter setenta mil dentes. Então, essas horas todas que o senhor fala aqui, não cabem dentro dos dias, doutor, não cabem... Dá um desconto nisso, reforma isso, reformula porque não dá! E o outro, também, contou uma história inverossímil: Mas, doutor, para chapeuzinho vermelho eu estou muito velha... Por favor, arranje a coisa..., Mas... entende? Você pode desarmar uma pessoa falando uma coisa engraçada, fazendo uma brincadeira, não precisa: Que eu vou mandar prender !!!... Não resolve nada, isso. A pessoa fica irritada, se atrapalha; se é tímido, começa a tremer, e aí, você não consegue... A gente consegue que as pessoas digam o que elas não querem dizer, conduzindo bem um depoimento. Mas isso precisa aprender como se conduz depoimento. Mas isso ninguém aprende, ninguém te ensina. Se você não for naturalmente. Eles não trabalham ao lado de outro juiz, como existem nas escolas de magistratura nos outros países, que eles ficam dois anos, eles não podem assinar nada. Mas ficam trabalhando, ficam vendo como o outro faz, como é que se faz. Também, não é qualquer juiz, não. E quando ele dá - aí sim - ele dá um parecer. Não é como a Rede Globo que disse: O parecer do Ministro... Porque o Ministro não dá parecer, ele dá voto. Mas, ali, é um parecer. Quando ele dá um parecer para a escola, para a direção do Tribunal dizendo que ele considera que aquela pessoa está apta para exercer a magistratura, ele responde pessoalmente pelo que eles fizerem depois. Se houver certo tipo de coisa, que ele tinha que ter observado... Porque há coisas que você
observa no primeiro dia. A empregada chegava lá em casa, primeiro dia, tratava, vinha, chegava atrasada no primeiro dia. Eu digo: Não. Você já chegou atrasada no primeiro dia, não vai nunca chegar na hora.... No primeiro dia. Vassoura nova varre bem, entendeu? Então, a menina-moça, você chama para lavar e passar roupa, você olha, ela está toda suja, a roupa dela toda amarfanhada. Não serve. Então, é fácil. Não é difícil, não. Dois anos dá tempo de observar uma pessoa. Nós não temos isso. Então, está todo mundo fazendo mestrado, todo mundo fazendo doutoramento. É útil. Mas o fundamental, que todo mundo deveria ter, é a escola de magistratura. Não é essa escola de magistratura que tem ali, não: que pega gente que ainda não fez o concurso e cobra Não é isso, é para... João: É uma escola de formação. Dra. Anna: Você deveria ter, nas universidades, a escola para as pessoas que querem ir para a magistratura. E, depois que ele fizer o concurso, provar que tem conhecimento para ser magistrado, ele vai provar que tem condições humanas de ser magistrado. João: Também tem isso... Dra. Anna: Um antigo empregado da Colombo, hoje ele deve ser o gerente, uma coisa assim, muito antigo. Ele estava lá na minha festa, estava falando que a filha dele se formou enfermeira, trabalha como enfermeira e tudo. Passou em tudo para ser enfermeira dos bombeiros. Chegou na hora da prova prática, ela não passou. Por quê? Porque você tem que
ter força física, e você tem que saber que você tem o perigo pela sua frente, que você não é um louco para se atirar na chama à toa, mas que também você sabe que tem que conviver com o perigo. Tem gente que não consegue conviver com o perigo, desmaia. Eu tive colega que desmaiou quando viu o primeiro cadáver no Instituto Médico Legal. João: Isso não tem condições. Dra. Anna: Não, ele vai fazer outro ramo do Direito, não é? Não pode ser, não pode fazer aquela parte. João: Fazer Direito Penal, por exemplo. Dra. Anna: Entende? Então, é tudo mais fácil do que parece. Falta boa vontade. Agora, como falta boa vontade para riscar uma faixa amarela ali na frente do... no meio fio do Tribunal e...se puser uma placa, pedir ao DETRAN uma placa: estacionamento proibido, exceto para subida e descida de passageiro, porque é só isso. Você imagina se em frente ao hospital você fechar tudo, como é que entram as pessoas? Em frente ao Tribunal não podem fechar. João: Com certeza. Dra. Anna: Sabe por que esse pessoal não presta atenção? Porque eles entram por baixo [Dra. Anna Acker refere-se à garagem do prédio do Fórum Arnaldo Süssekind, que se situa no subsolo]. Os que entram por baixo. Mas Süssekind, eu: não entramos por baixo. Mesmo que eu tivesse carro, eu não poderia entrar por baixo, porque eles não deixam, não é isso? Então, não me parece que alguém por ser juiz aposentado
tenha menos direito a descer em frente ao Tribunal, até porque eu estava de salto. Eu não vinha aqui para vocês com sandália de dedo e bermuda, não é? No meu tempo, a gente tinha roupa-de-ver-Deus. Roupa-de-ver-Deus era a roupa de domingo. A gente ia à missa e ia à matinê. Eu agradeço por vocês terem me convidado, acho que eu tenho ainda muito que fazer, em matéria de escrever, inclusive, eu estou documentando, estou escrevendo. João: E de depor também ... Dra. Anna: Depor também, mas quando a gente escreve fica acessível para todo mundo. É mais possível que as pessoas tenham acesso. Eu às vezes, fico triste. Eu fico triste. Eu venho pouquíssimo aqui na Justiça. Eu só venho aqui mesmo para uma coisa essencial. Eu vou à Associação, mas à Justiça, venho muito pouco. Outro dia, por exemplo, me disseram que nós não temos mais direito a receber contracheques. Que temos que tirar na intranet. Eu não tenho internet. Então, eu tenho que comprar um negócio daquele, ter uma senha de intranet, só para tirar o contracheque? Parece que já voltaram atrás. Eu recebi... Mesmo para os aposentados. Só tinham preservado os pensionistas, porque achavam que os pensionistas não podiam ter uma senha. Mas, se derem uma senha para umas pessoas que estão em casa, vai cair na mão do filho, do irmão, do parente, do amigo e ele entra lá na intranet... Parece que já resolveram. Segundo me disse o Dr. Nelson Tomáz Braga. Ele me viu muito aborrecida neste dia. Eu preciso do meu contracheque, eu preciso do meu contracheque. Você tem que entrar não sei aonde Eu digo: Olha, sabe que na
Inglaterra os senior fizeram uma petição à Rainha dizendo que eles querem ser atendidos pessoalmente, que eles não querem ser atendidos por máquina. E foram ouvidos. Até porque ela tem 80 anos também, e ela deve saber que não é fácil. Mas aqui, infelizmente... Mas parece que resolveram. E eu fico realmente...Eu lamento profundamente. Porque uma das coisas mais tristes que eu já vi no mundo foi feito. Eu fui presidente da Associação de Amigos do Museu Casa Benjamin Constant - não é o Instituto - lá em Santa Teresa, e uma das frases que ele escreveu pouco depois da República ser proclamada foi essa: AEssa não foi a República com que eu sonhei. Já estavam começando a usar o nepotismo, logo, no princípio, nos primeiros meses da República. Benjamin Constant, que levantou o Colégio Militar, ele trouxe... você sabe? Essa gente era tão honesta que... Ele morreu durante a votação da Constituinte, da Constituição de [18]91, e puseram nos... como é que se chama? Puseram nas Disposições Transitórias um artigo dizendo que a casa em que ele morava - que era uma casa alugada, em Santa Teresa, alugada, porque antes ele morava no Instituto; ele tinha uma filha surda e muda, daí o interesse dele - que essa casa seria comprada pelo governo da República, e destinada ao uso da mulher, da viúva e das filhas do sexo feminino, filhas descendentes do sexo feminino, solteiras, enquanto vivessem. A última, quando foi, se retirou para o Convento do Carmo, ela já tinha lá uma irmã. Antigamente, havia essas irmandades. Foi para lá e entregou a casa e foi convertida em Museu Casa Benjamin Constant. Pois bem, existe lá, entre os documentos, o pedido dela ao advogado que compre um
túmulo para ela no Cemitério, mais perto possível de onde o Benjamin Constant está enterrado. Porque ele está enterrado entre os heróis da República, mas ela não tem direito a isso. Isso era comportamento. Não sei se você sabe que o Peri Bevilaqua era neto do Benjamin Constant, sabia? Filho de uma filha... não é? Todo o arquivo, toda a papelada dele, que ele reuniu como Ministro do Tribunal Superior... (porque ele foi cassado...) está lá. A família doou para o Instituto. Lá está, se algum dia vocês quiserem ver, tem lá o habeas corpus de... aquele Mauro, aquele que era governador de Goiás, esqueci o nome dele. Concessão a Juscelino... Uma porção de gente que ele concedeu e tal. Está lá. Ainda está lá a mesa onde foram assinados os primeiros Atos da República. É interessante visitar porque eles têm coisas interessantes para quem quer fazer pesquisa. Uma moça, trabalhou muito tempo, era Maria Inês Turazzi, você conhece? Ela é doutora em História. João: Esse sobrenome não me é estranho. Dra. Anna: Ela trabalhou muito tempo lá. Ela tem livro publicado. Então, são essas coisas, a gente fica triste porque a Justiça do Trabalho... Eu percebo que a magistratura está sendo formada de pessoas que se interessam por uma carreira, se interessam por uma segurança - que é social, que é financeira e tudo - mas se interessam muito pouco pelo povo brasileiro, entendeu? Que o segredo é só esse: ninguém pode exercer uma função pública se não... pois, afinal de contas, é o povo que nos paga. João: Nós somos, no fundo - no fundo, servidores.
Dra. Anna: Servidores! Ninguém pára pra pensar o que quer dizer servidor público, não é? Então, a pessoa não faz nada. São coisas pequenas, mas a pessoa não faz nada. Essa ânsia de ganhar, ânsia de levar vantagem, essa ânsia de ganhar, de ir para Congresso, não sei onde... Você vai para cá, vai para lá, vai com tudo pago. Isso tudo aí é... Como disse a um certa vez. Ele chegou lá, fez uma defesa horrível. E era um órgão da Petrobrás, eu acho que era... Como é aquele que transporta? João: Transpetro. Dra. Anna: É. É um desses assim. Era um órgão, portanto, ligado. Quando ele acabou a defesa, eu disse: Doutor, o senhor me desculpe, mas tenho que chamar o cancioneiro popular brasileiro: É feio para você, morena frajola... Meu senhor, isso aqui não é botequim de esquina. Isso não é defesa que se faça. A Petrobrás não pode afirmar isso num processo... É uma vergonha, doutor. O senhor me desculpe. Ou, como numa outra, quando eu falei: Mas, doutora, essa defesa... para mim!? Porque eu disse pra eles: o empregado quando distribui a ação, não sabe que juiz vai, mas quando o patrão vem fazer a defesa, sabe de antemão pra que juiz está... então, tem que ter um pouquinho de cuidado... É pra mim, doutora, essa defesa?! Pra mim?! Ela disse: Ah, mas a senhora sabe que foi o chefe do escritório que fez... Então, quando ele escrever uma defesa assim, e mandar a senhora vir aqui, a senhora diz pra ele que não vem, não. Para ele vir e ter a coragem de fazer essa defesa olhando pra mim. Um mundo de besteira, tudo errado, argumentos completamente inconsistentes, tudo assim... sabe como é? -Primário!... Não dá, não é? É
isso. Infelizmente, é isso. Tem juiz aí colocando 70 processos em pauta, no mesmo dia, de dois em dois minutos, porque é sumaríssimo. João: Linha de produção... Dra. Anna: Sabe quem é? ........... Posso dizer. Eu digo porque ele falou na minha frente. Eu estava naquele procedimento de... - como é que se chama... de apuração das metas depois que a Fundação Getúlio Vargas...- Certificação! Puxa![inaudível] Me chamar para dizer: Setenta Ah, não, mas eu faço muitos acordos, mas os meus acordos são trabalhados.... Mas, como, em dois minutos, ele pode trabalhar? Não falei nem nada, não ia brigar com o ........ Com ele, não vale a pena nem brigar. Eu cheguei à conclusão que, com certas pessoas, não vale a pena brigar. Porque a desonestidade é tão grande... entende? É como aquele caso que eu te disse. Esse aí é tão desonesto, ao dizer isso, que ele trabalha, num acordo, marca de dois em dois minutos... Setenta processos! Não posso discutir com uma pessoa que diz isso. Por isso que eu digo: eu fico muito assustada. Eu, outro dia, até recortei do jornal, quando aquela ministra, Carmem, compareceu à sessão do Supremo pela primeira vez de calças compridas. Eu guardei, está lá guardado. Eu fui a primeira juíza do Rio de Janeiro que deu audiência com calça comprida. E elas demoraram tanto... E eu ainda era substituta. É muito difícil... É muito difícil... João: Doutora, muito obrigado. Dra. Anna: Ser autêntico é muito difícil. Eu não tenho
CRÉDITOS: Presidente: Desembargadora Edith Maria Corrêa Tourinho Coordenadora da Comissão de Gestão de Memória: Desembargadora Claudia Maria Samy Pereira da Silva Diretor da Secretaria Geral Judiciária: Fabio Petersen Bittencourt Equipe de entrevistadores da Secretaria de Gestão do Conhecimento: João Roberto Oliveira Nunes, Marcelo Barros Leite Ferreira e André Gustavo Teixeira Moraes Web Design: Javier Rapp, Marcelo Mesquita e Amanda Cardozo
Voltar ao topo
Resp.: Internet