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Entrevista Advogado Benedito Calheiros Bomfim
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Entrevista Advogado Benedito Calheiros Bomfim
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Sumário
Na tarde do dia 12 de março de 2009, ocorreu a entrevista com o advogado Benedito Calheiros Bomfim, que contou com a participação da Chefe do Setor de Gestão de Memorial, Edna Maria de Aquino Mendes e do servidor Marcelo Barros Leite Ferreira. Doutor Calheiros Bonfim é uma dessas figuras seminais na construção de um ramo do conhecimento humano. Pudéssemos traçar um paralelo, evocaríamos o nome do folclorista Luís da Câmara Cascudo, quase seu contemporâneo, que partilhou com o Dr. Bomfim a tarefa de coligir, ordenar e construir os conhecimentos necessários no esforço de construção da modernidade brasileira. Se Câmara Cascudo nos lembrava do passado, nos devolvia o chão de nossas tradições; Calheiros Bomfim, por outro lado, apontava na direção de um futuro mais justo, calcado no respeito pela instância basilar da experiência humana: o trabalho. A entrevista transcorreu com a mesma fluidez e leveza do discurso do entrevistado - mesmo quando evocava lembranças de maior carga afetiva. Constitui feliz fecho da primeira leva de entrevistas do Programa de História Oral dessa Instituição. 3
Sumário 4
1. Apresentação; trajetória familiar, falência dos negócios do pai, gosto pela leitura, volta para Maceió, vida na Casa do Estudante. 2. Começos da vida profissional no jornalismo; desencanto com o jornalismo, aproximação com o Direito; militância política ‘apartidária’ na juventude. 3. “Ao advogado não é permitido assumir tarefas acima de suas forças”: a dedicação à Justiça do Trabalho. Coluna “Conheça seus Direitos” na “Tribuna Popular”; emprego no Sindicato dos Bancários (1945); demissão do sindicato por conta da política de Dutra (1946) 4. A formação da Justiça do Trabalho na década de 40: “uma justiça informal, simples, gratuita e célere”; os prédios da Almirante Barroso e Nilo Peçanha. 5. A Justiça do Trabalho e o golpe militar de 64: fechamento de sindicatos, perseguições a advogados e juízes; intimidações a juízes (caso); caso de um trabalhador estável demitido por alegações de ordem política. 6. A OAB antes do movimento “Renovação” (1968); participação na OAB, reformulação da ‘caixa dos advogados’, reversão dos benefícios em prol dos advogados: assistência médica, biblioteca, jornal de classe. 7. “A Ordem está perdida com um comunista como o Bomfim...”; Oposição à Ditadura. 8. ‘Justiça do Trabalho, justiça dos sem trabalho’: consequências do fim da estabilidade. 9. A publicação de repertórios de decisões trabalhistas. 10. Os advogados e a Reabertura Política. 11. Palavras finais: atuação no Conselho Federal da OAB. 5
Edna: Boa tarde, Dr. Calheiros. Dr. Calheiros Bomfim: Boa tarde. Edna: Gostaria, inicialmente, que o senhor se apresentasse, falasse seu nome, seu local de nascimento, um pouco sobre sua trajetória familiar. Poderia começar assim? Dr. Calheiros Bomfim: Eu vim para o Rio de Janeiro, em 1933, para fazer o vestibular de Direito na única Faculdade que existia então no Distrito Federal, ou seja, no Rio de Janeiro. Passei no vestibular, ingressei na Faculdade e no 3º ano tive de interromper meus estudos e voltar para a terra de origem, que era Maceió, porque meu pai, que me fornecia uma modesta mesada e financiava três filhos acadêmicos em vários estados, faliu. E, com isso, me vi obrigado a retornar a Maceió. Edna: Qual a data do seu nascimento? Dr. Calheiros Bomfim: Apenas 24 de Outubro de 1916. Edna: Certo. O senhor voltou para Maceió por conta do seu pai... Dr. Calheiros Bomfim: É... Problemas financeiros do meu pai, que me fornecia mesada quando eu estava ainda no 2º ano da Faculdade. Edna: O seu pai trabalhava em que ramo? Qual a atividade que ele desenvolvia? Dr. Calheiros Bomfim: O meu pai era negociante, pequeno negociante. Tinha sete filhos, dos quais três em Faculdade e os demais estudando em Maceió. Retornei ao Rio, em 1936. Tornei- me jornalista. Trabalhei seis anos, cinco dos quais nos Diários Associados de Assis Chateaubriand, sendo que, nos últimos anos, eu já exercia a Advocacia concomitantemente com o Jornalismo. Edna: O senhor poderia falar um pouco sobre o ensino fundamental, como era a sua participação, o senhor participava de alguma atividade esportiva, algum grêmio estudantil, alguma atividade religiosa? Poderia falar um pouco sobre esse período da juventude? 6
Dr. Calheiros Bomfim: Eu não tinha atividade estudantil propriamente, nem minha formação era religiosa como todos aqueles que àquela época viviam principalmente no interior do País. A atividade esportiva também não tinha. Já no último ano do ensino fundamental, comecei, nos últimos dois anos, a me interessar por literatura. Dificilmente eu saberia dizer a origem desse gosto, porque não havia na família ninguém realmente que tivesse essa propensão. Apenas meu irmão mais velho gostava de leitura. Eu lia, surpreendentemente, até os clássicos, já no 5º ano, que nós chamávamos, naquela época, de secundário. Esse gosto me acompanhou de forma crescente pelo resto da vida, de forma que hoje eu posso dizer que minha vida são os livros. Bem, mas voltando à minha vida no Rio de Janeiro, eu, retornando de Maceió, fui abrigado na Casa do Estudante e lá fiquei durante cerca de dois anos até que consegui esse emprego de jornalista. Durante esses seis anos - os últimos dos quais exerci concomitantemente com a advocacia - eu fui me desiludindo do jornalismo, que tanto me empolgara no início. Passei a me dedicar à advocacia - profissão que passei a me dedicar exclusivamente a partir de 1943/44; embora fosse formado em Direito e tivesse a carteira de advogado já desde 1938. Edna: E a quem o senhor deve essa escolha pelo Direito, se teve alguma influência da literatura ou de alguma pessoa... Dr. Calheiros Bomfim: É fácil explicar: primeiro, pela minha formação liberal, humana; depois, pelo gosto da literatura e, sobretudo, mais tarde, pelo interesse que eu tinha pelos problemas sociais urbanos, pelo idealismo, pela utopia de contribuir na modificação da sociedade. Aí, também se explica meu interesse pelo jornalismo, porque as duas profissões têm em comum esses fatores, esses requisitos humanos, sociais, políticos - aí está a explicação de tudo isso. Marcelo: Por que o senhor foi se desencantando pelo jornalismo? 7
Dr. Calheiros Bomfim: O jornalismo, ao contrário da crença geral, que se verifica quando se passa a exercer a profissão, lá no dia-a-dia, não existe liberdade para quem lá trabalha e produz, porque o jornalista-empregado, como eu era, ele é limitado pela linha do jornal. Tudo que se escreve encontra-se condicionado àquela diretriz emanada dos donos, dos diretores dos jornais que, por sua vez, dependem em grande parte dos anunciantes que estipendiam a imprensa. Marcelo: O senhor trabalhou com jornalismo na década de 30? Dr. Calheiros Bomfim: 36 a 44. Marcelo: A Constituição de 34 já tinha passado, mas ainda era uma época conturbada. Dr. Calheiros Bomfim: Como eu falei, dois anos antes eu já exercia concomitantemente a advocacia porque vislumbrava já não haver horizonte para mim no jornalismo. Edna: Mas a área do jornalismo tinha uma específica? Dr. Calheiros Bomfim: Não. Eu trabalhava, predominantemente, nos primeiros anos, num setor singular: é que havia, nos Diários Associados, que possuía uma cadeia de jornais em muitos estados, havia um setor que se chamava Agência Meridional, subsidiária-dependente da própria rede, cuja função era, exclusivamente, resumir notícias que chegavam das agências estrangeiras, dos jornais nacionais, enfim, de muitas procedências, enfim, resumir para transmitir através de telefone - que era o que, àquela época existia, através de telefone, essa síntese do noticiário jornalístico nacional e internacional. Era preciso muito espírito de concisão, de síntese, que é uma qualidade muito difícil de se adquirir. Porque a concisão hoje, principalmente na advocacia, não só no jornalismo, é um valor, uma qualidade essencial ao profissional. Nós estamos numa época em que a concisão é primordial. O mundo exige, cada vez mais, que se faça tudo em menor tempo e com a maior 8
clareza. Porque a concisão sem clareza não adianta e a clareza sem concisão é inútil porque ninguém hoje, com a premência e a angústia do tempo, consegue espaço para ler uma produção, um texto prolixo. Edna: E, nesse período que o senhor falou da Casa do Estudante, o senhor teve alguma atividade política, alguma atividade de movimento estudantil, como é que foi? Dr. Calheiros Bomfim: Tive. E muita atividade. Edna: Conta um pouco para a gente como é que foi isso Dr. Calheiros Bomfim: Antes de ir para Maceió, nos dois ou três últimos anos da faculdade, eu, que tinha uma formação conservadora-religiosa, graças à influência da literatura, dos professores, do meio, eu me transformei intelectual, social e politicamente. Eu me aproximei muito daquelas linhas, daquelas diretrizes que recebiam e sentiam muito as necessidades, os problemas, os sofrimentos do povo do país - sobretudo dos hipossuficientes, daqueles que, realmente, eram mais necessitados, eram despossuídos. Então, com essa minha política eu me aproximei dos políticos e dos partidos de esquerda e me tornei um militante. Inicialmente, durante muitos anos, sem partido, mas a simpatia, a linha de militância, eu a desenvolvia paralelamente sem ser cooptado pelos partidos. Edna: Agora, com relação à Justiça do Trabalho propriamente dita, eu queria que o senhor contasse um pouco como é que foram os primeiros anos da Justiça do Trabalho, os seus primeiros contatos, a sua primeira influência na Justiça do Trabalho. Dr. Calheiros Bomfim: Eu podia ter optado por outro ramo do Direito, como de início fiz. Inicialmente, por questão também de sobrevivência, durante os primeiros quatro, os primeiros seis anos de advocacia, eu fiz uma espécie de “clínica geral” da profissão. Eu advoguei em todas as áreas, talvez menos na área Comercial - inclusive Criminal - advoguei em todas as áreas, o 9
que me possibilitou ter uma visão panorâmica, uma visão geral do Direito, como é necessário. Acho que todo advogado devia partir do geral para o particular e, afinal, se especializar num dos ramos jurídicos em que é necessário, hoje, e requer especialização em todas as atividades profissionais. Dr. Calheiros Bomfim: Então, depois dos cinco, seis anos de advocacia geral, eu me defrontei com uma situação que me levou a optar por aquela especialidade, aquele ramo que mais me atraía justamente pelos fatores que eu já enunciei. Uma vez, antes de 1950, eu, que acumulava as duas, todos os tipos de advocacia e, portanto, me sobrecarregava, ignorando, desconhecendo que ao advogado não é permitido assumir tarefas acima da sua capacidade, da sua força, eu cheguei a uma audiência numa Vara Cível - 7ª Vara - e cheguei atrasado porque saía da Justiça do Trabalho em que não havia horário. A duração das audiências era imprevisível. Eu calculei mal e cheguei à Vara e, com o cliente perplexo e absolvido porque, como se sabe, é indispensável no Cível a presença do advogado. Então, o cliente que fora pra lá me esperar, tinha visto seu processo, a sua ação absolvida de instância, como se chamava, e condenado nas custas e honorários de advogado por falta minha, que não conseguira chegar a tempo. Ainda me recordo do nome porque o episódio foi marcante: Nelson Gomes. Eu, então, expliquei a ele a situação e realmente disse: “De hoje em diante, eu só advogo na Justiça do Trabalho, que é a minha vocação. Eu vou restituir seus gastos, custas, os honorários de advogado a que você foi condenado por ter subido à segunda instância e renunciar ao mandato a fim de que você procure um advogado de sua confiança.” Preferi até não indicar o advogado. Então, tenho esse recibo guardado como uma relíquia de que foi o último caso que eu fiz na advocacia cível e, por isso, aconselho o advogado muito atarefado, que faz mais de um ramo na atividade profissional, a ter esse cuidado e não aceitar causas 10
além de suas forças. Marcelo: Quando o senhor advogava, o senhor tinha contato com a advocacia trabalhista no seu escritório mesmo ou teve a participação de alguma entidade, sindicato ou qualquer coisa do gênero? Dr. Calheiros Bomfim: Não. Ainda quando eu, logo que deixei de ser jornalista, eu comecei a fazer advocacia trabalhista montando um escritório, modesto, o qual eu partilhava com vários colegas e, recordo-me bem que mantinha uma, veja bem que eu não me desprendi inteiramente do jornalismo, que eu mantinha uma coluna, já advogado trabalhista, mantinha uma coluna num jornal que era a “Tribuna Popular”, que pertencia ao Partido Comunista - ao qual eu não era filiado até então e mantinha uma coluna semanal chamada “Conheça Seus Direitos”, exclusivamente trabalhista. Então, isso me deu muita [inaudível] e me deu também - não digo notoriedade - mas me tornou conhecido, de forma que isso atraiu muita clientela. Depois disso, em 46, talvez em razão desses meus conhecimentos dessa área em que eu atuava, eu fui convidado, em 46 exatamente, ao primeiro emprego que eu tive como advogado e único. Eu fui convidado a assumir o cargo de advogado do Sindicato dos Bancários que eu era, talvez, o primeiro ou segundo advogado mais atuante do Rio de Janeiro. Assumi em 45. Em 46, com a repressão, embora fosse um sistema democrático ainda porque o Governo era de Eurico Gaspar Dutra, mas muito repressivo com os movimentos sociais, entidades sindicais, etc. Então, dada a dependência das organizações sindicais ao Ministério do Trabalho, desencadeou- se uma série de intervenções nos sindicatos, destituindo as lideranças e também com ela, dispensando os advogados que lhes davam assistência. Naturalmente, isso se limitava ou visava, principalmente ou exclusivamente, os sindicatos de boa 11
formação, autênticos, com líderes realmente também sérios e operosos com a visão, com a ótica da sociedade realmente incompatível com os postulados do Governo que se dizia democrático. Então, demitido do sindicato, daí em diante nunca mais tive emprego como advogado embora tivesse passado provações tão fundas, tão traumáticas que ainda hoje me sensibilizo quando eu recordo. Mas venci tudo isso na persistência, no desejo de continuar servindo aos trabalhadores, aos necessitados, aos hipossuficientes, como profissional do Direito. Edna: E, que tipo de dificuldades e conquistas o senhor foi percebendo ao longo dessa trajetória? Do início do seu trabalho na Justiça do Trabalho aos dias atuais, principalmente nesses primeiros períodos? Dr. Calheiros Bomfim: Quando eu iniciei a advocacia trabalhista, a Justiça do Trabalho pertencia ainda à esfera administrativa. Isso em 1943, 1944. Conheci, portanto, de perto, a gênese, a formação da Justiça do Trabalho. Funcionava ela com, inicialmente, seis Juntas de Conciliação e Julgamento na Avenida Nilo Peçanha nº 31, ocupando junto com... o Tribunal, que então se chamava Tribunal ... Tribunal Regional do Trabalho... tinha outro nome. Daqui a pouco eu me lembro. Junto com o Tribunal, as Juntas de Conciliação ocupavam, como eu disse, três andares. Era uma Justiça informal, simples, gratuita, célere, e que funcionava de tal forma que advogados e juízes formavam, por assim dizer, uma “família forense”: advogados, juízes, funcionários, procuradores. Nos reuníamos todos numa sala do Procurador Mendes Pimentel e lá esperávamos, imagina, o pregão dos processos, que fôssemos avisados sobre os processos para irmos às audiências. Então, era um ambiente de cordialidade, de confraternização, de congraçamento. Assim funcionavam as seis Juntas ao tempo em que isso era o começo e, a esse 12
tempo, os reclamantes, os trabalhadores tinham a prerrogativa, a infeliz prerrogativa que se tornou depois infeliz, de se auto representarem, quer dizer, de comparecerem sem a assistência de advogado até o final da causa. Então, à essa época, a Justiça do Trabalho era realmente informal, singela, célere. Logo depois, com o advento da Constituição de 46, as Juntas tiveram... Três juízes foram nomeados... As Juntas, então, cresceram, aumentaram para nove, funcionando lá, ainda no mesmo prédio. Edna: Almirante Barroso? Dr. Calheiros Bomfim: Na Nilo Peçanha, com essas nove Juntas, o sistema quase não mudou embora já pertencesse ao Judiciário. Por sinal, até os juízes nomeados antes e depois eram de nível excelente: operosos, trabalhadores, dotados de espírito público - o que realmente dava para surpreender e surpreendia agradavelmente. Passada essa época de intensa atividade, foram criadas mais seis Juntas e aí, porque não houvesse mais espaço no edifício da Nilo Peçanha, os órgãos da Justiça do Trabalho foram transferidos para a Almirante Barroso número 52 - isso, na década de 50. E lá, passaram a funcionar, primeiramente, as 15 Juntas - um dado, realmente, tão singular, e que, até hoje, causa espécie e até se torna inverossímil: é que, ao final da mudança para a Almirante Barroso, faltou verba para finalizar essa mudança. Pois bem, os advogados trabalhistas - um grupo, não todos - junto com a participação de vogais (depois, juízes classistas), se cotizaram para custear a finalização, o resto da mudança. Essa iniciativa foi coordenada por um advogado trabalhista, que morreu, chamado Francisco Otávio Loureiro Maia - os filhos dele são todos advogados trabalhistas. Lá, funcionou muito tempo com a presença de juízes classistas até que, em 1964, com o golpe militar, a Justiça do Trabalho, juntamente com os Sindicatos - é natural - foi um dos alvos principais da repressão policial. 13
Edna: Como era sentida essa repressão? Dr. Calheiros Bomfim: Bem, essa repressão se fazia notar, primeiro, pelo fechamento dos Sindicatos, perseguição às suas lideranças e vigilância permanente, intimidativa com os advogados e juízes trabalhistas. Dentre os juízes trabalhistas, aqueles mais visados, alguns deles foram cassados. Na realidade ‘cassação’ não era o nome, mas se chamava ‘aposentadoria compulsória’. Aqui, quanto aos juízes, no tocante a essa cassação, a repercussão não foi das mais fundas porque, deles, três juízes que sofreram essa arbitrariedade eram... Não vou nomeá-los, mas eram juízes tidos também como negligentes e um tanto flexíveis para não dizer [inaudível] na sua conduta. Portanto, quanto a essa parte, realmente não causou maior repercussão. Agora, a intimidação com os juízes restantes, aqueles que tinham mais propensão ao social, ao humanismo, aqueles que procuravam, realmente - com seriedade, e independência, sobretudo - fazer justiça, esses foram mais visados. Para mostrar, realmente, a drasticidade e o grau de intimidação, eu me recordo bem de um episódio sintomático: fazia-se, numa Junta que era presidida por um juiz de cor chamado Vidigal Medeiros, e que era um juiz muito estranho, que gostava muito de ostentar, tratava todo mundo - até os empregados - como ‘Vossa Excelência’..., mas, não era um juiz muito levado a sério. Fazia ele uma praça, um simples leilão, de um bem pertencente a uma entidade militar - não me recordo o nome, também não importa mais. Quando a praça estava para se apregoada, com o bem pertencente a essa entidade, chegou um sargento à sala de audiências onde estava o juiz e, sem pedir licença, se aproximou e disse: “Doutor Juiz, esse leilão não pode se realizar”. E ele disse: “Quem é Vossa Excelência para ditar normas aqui, e querer modificar um ato do Juiz?”. Ele disse: “Não sou eu”. “E então, quem é?” “Eu trouxe aqui essa ordem do general, só que eu não posso lhe dar”. “Mas “Vossa Excelência 14
pode ler”. Ele leu e disse: “O leilão está desfeito!” O pregão já tinha sido efetuado e feita a praça. Esse era o clima. Edna: E com relação aos advogados? Dr. Calheiros Bomfim: Os advogados sentiam também, sobretudo os advogados de sindicato. Eram pressionados, intimidados, eram chamados a prestar esclarecimentos. Edna: E o senhor viveu esse momento? Como é que foi? Marcelo: Sofreu alguma represália? Dr. Calheiros Bomfim: Vivi. Antes, eu já tinha sido destituído do Sindicato. Bem, eu nunca fui chamado à polícia propriamente, mas eu sentia: telefonemas, eram clientes que, às vezes, desistiam de reclamar porque sofriam pressão patronal. O preposto do patrão dizia: “Olha, você não pode reclamar com esse advogado, ele é subversivo!” Ou então diziam: “Olha, você tem uma ficha na polícia, é melhor desistir da reclamação!” E desistiam. Eu conto um caso de um trabalhador da... uma que se chama, era uma grande firma de mosaicos, até hoje existe: Klabin. Um cliente da Klabin, era um escuro, trabalhador até de certa qualificação, trabalhava na firma de mosaicos. Ele uma vez me procurou e disse: “Doutor, já sei que a firma vai alegar já me disseram - para me intimidar - que eu sou comunista. E eu não faço política, não sei o que é isso. Mas, como eu sou um empregado estável de 14 ou 15 anos, eu sei que esse é o motivo. Eu sei que eu vou ficar sem emprego”. Na audiência, o advogado da Klabin disse que ele estava sendo demitido por justa causa porque fazia agitação política no ambiente de trabalho, como comunista que era. Aí, o juiz ficou preocupado e disse para o advogado: “Doutor, não tem nenhum acordo?” O advogado disse: “Não. Eu tenho autorização, determinação para não fazer acordo com um empregado como esse, que tanto prejuízo ocasionou à firma com a agitação que fez no interior do estabelecimento”. Bom, o empregado teve de prosseguir, mesmo que não quisesse, com a reclamação para fazer 15
a prova de que nunca exerceu atividade política nem pertencia sequer a qualquer partido. Transferida a audiência, a prova do juízo, que tinha que fazer alegação da justa causa, do motivo da dispensa, era da Klabin, era do advogado. Então, primeiramente, pediu ele que fosse oficiado à Ordem Política e Social para saber os antecedentes políticos, as prisões que o empregado já tinha tido. A Ordem Política e Social não pôde informar nenhuma atividade política dele, embora até desejasse. Andava de mão-a-mão com os empregadores. Bem, ele adiou, então, para fazer a prova testemunhal da empresa e já nessa segunda audiência propôs um acordo: reduzir à metade a indenização - que seria de, nessa época era em dobro, porque era a estabilidade a indenização devida ao empregado. O juiz propôs o acordo certo de que o empregado iria aceitar. O cliente, o empregado estava desempregado, vivendo de biscate com a família praticamente passando fome. Mas ele era um homem de tanto brio que preferiu passar fome a fazer um acordo. Eu mesmo fiquei comovido, porque às vezes eu dava até ajuda para ele voltar para casa de ônibus. Mas eu não podia dizer: “Não faça isso!”. Eu ainda hoje me comovo por causa disso. Pois bem, na audiência seguinte, que o juiz adiou para que ele examinasse a proposta de acordo, na audiência seguinte o advogado disse: “Doutor, eu faço acordo em 90%”. “Em 90% ?” Ele disse: “Eu não aceito! Só aceito 100%!” E o advogado não teve forças. “Sendo por certo que eu sou estável e esta indenização só pode ser dada com o meu acordo!” Porque o estável não podia ter o contrato rescindido por acordo, entendeu, senão com a concordância do empregado. “Se demorar mais, eu só vou aceitar 120%.”. Porque ele podia pedir o que quisesse, ninguém podia demiti-lo sem justa causa porque ele era estável. Aí, o advogado, na hora, firmou o acordo com 100% de indenização mais juros e correção - ainda não havia correção naquela época. Esse caso foi realmente marcante 16
na minha vida profissional. Ainda hoje eu não posso contar essa história sem me emocionar... Edna: O senhor deve ter tido muitos casos assim... Dr. Calheiros Bomfim: Eu vivi alguns. Mas como esse. Eu mesmo vivi muita provação... Mas um caso como esse eu... Isso é gratificante, é confortador... A gente se sente realizado com isso... Edna: Com relação à OAB, especificamente, como é que o senhor vê a atuação dos advogados em geral, da OAB com relação à defesa dos trabalhadores? Se o senhor pudesse fazer um resumo assim da história da OAB e dos advogados nessa atuação da defesa dos trabalhadores... Dr. Calheiros Bomfim: Olha, eu conheci a OAB muito conservadora - isso logo depois que eu comecei a ter atividade associativa-corporativa, que eu não tinha. Quando participei de um Movimento chamado Renovação - é preciso dizer que a OAB, durante os primeiros 32 anos era uma entidade fechada, conservadora e que, até nas próprias eleições, quando se tratava de alternância do poder, era simplesmente dirigida por um pequeno grupo de elite que era, esse grupo, essa liderança da elite advocatícia se reunia no Clube dos Advogados e formava, esse grupo, formava a chapa do Conselho Seccional. Escolhiam os nomes ao seu alvedrio e se limitavam a imprimir essa chapa, que era sempre azul, isso durou 32 anos. E, apostar nas chapas, endereçada aos advogados inscritos na Ordem que, por sua vez, mandavam, e compareciam no dia da votação daquela chapa, e sufragavam os nomes escolhidos por esse reduzido grupo de advogados, dessa liderança. Vendo isso, já politizado, consciencioso, interessado pelos problemas sociais e políticos, reunimos um grupo para enfrentar, para tentar mudar essa situação. Fizemos uma chapa e conseguimos fosse ela encabeçada talvez pelos dois ou três advogados de mais notoriedade entre aqueles que tinham mais prestígio nos meios 17
políticos, sociais como condutores, como liderança social, como liderança político-jurídica como mais, portanto, mais estimados no meio da classe. Eram eles: Roberto Vaz Lyra, professor de Direito Penal, Cândido de Oliveira Neto, grande jurista à época, prestigioso, Marcelo de Alencar, na época começando a advocacia, depois foi Governador, Pontes de Miranda - imaginem - era a vanguarda da Advocacia, mas que não tinha nenhuma ligação nem tinha nenhuma simpatia pela política da Ordem dos Advogados. Por surpresa nossa, embora inexperiente, sem nenhuma ligação com a classe, por surpresa nossa elegemos sete dos dezesseis. Elegemos sete porque naquela época podia se votar individualmente, sete dos integrantes da chapa - inclusive eu. Marcelo: Isto foi um marco, foi quando isso? Dr. Calheiros Bomfim: Elegemos o Roberto Lyra, o Cândido de Oliveira Neto e mais cinco advogados dos quais eu conheci um, que era Raul Lins e Silva, que era irmão do Evandro Lins e Silva. Pelo menos esses três eu me recordo mais dois ou três advogados trabalhistas. Mas, na verdade... Marcelo: O senhor se lembra mais ou menos em que época? Dr. Calheiros Bomfim: Na verdade, veja bem, nós ganhamos a eleição. Vencemos a eleição e por quê? Porque a Ordem estava desgastada, 33 anos no poder dessa forma, não prestava nenhum serviço à classe. Mas, como não havia organização e nem em quem votar, eles tinham um pequeno número de votos, e se elegiam. Mas não tivemos, não tínhamos experiência, não tínhamos condição de fiscalização. Então, - hoje posso dizer porque já passado tanto tempo - que, na linguagem popular, fomos escamoteados, fomos tungados, e eles não puderam esconder que nós tínhamos eleito sete dos integrantes da Chapa. Edna: Esse foi um momento histórico então... Dr. Calheiros Bomfim: Histórico! Edna: E o senhor lembra a época, a data, o ano em que aconteceu 18
isso? Dr. Calheiros Bomfim: Era época da ditadura, foi 1964, isso foi em 68 exatamente, no auge da... Edna: ...68, num ano também... Dr. Calheiros Bomfim: E, por isso mesmo, sabe por que eu me lembrei do ano? Porque, antes de tomar posse, o Departamento Político e Social - DOPS - oficiou ao Presidente da Ordem recomendando, instruindo, pretendendo instruir ou determinar que não desse posse a mim e a outro, que era, eu acho, que era o Valdir Freitas de Castro, que ainda hoje está vivo, eu não tenho certeza. Porque nós éramos fichados como comunistas. Edna: E subversivos... Dr. Calheiros Bomfim: Estou dizendo nesse espacinho de 48 [Dr. Bomfim refere-se ao ano de 1968] agora... E até, nós não sabíamos disso, mas eu soube depois que o Presidente da Ordem, que não era da nossa corrente, chamava-se Edmundo de Almeida Rego, vacilou e, afinal, resolveram não responder, não tomar conhecimento e dar posse. Eu só soube isso depois. Faço um parêntese para dizer que esse Presidente da Ordem, que era da corrente contrária à nossa, ao terminar o mandato, me mandou um bilhete que eu guardo como relíquia - transcrevi no meu livro que eu escrevi agora há pouco, “Conselhos aos Jovens Advogados”, cuja edição eu vou fazer agora também, eu transcrevi, por ser um documento que, para mim, é sensibilizador, reconfortante. Ele escreveu dizendo: “Bomfim, apesar de você integrar a oposição no meu Conselho, foi quem mais me ajudou com sua linha de conduta, seriedade, espírito público, isenção. Portanto, com isso eu tomei você como um amigo, não se esqueça de uma vez que me deu a oportunidade de ser seu amigo você estará me dando uma recompensa”. Eu guardei e transcrevi esse bilhete, está no meu livro. Então, onde estava? 19
Edna: Estava comentando como é que foi essa trajetória da OAB e aí o senhor falou desse momento que vocês conseguiram... Dr. Calheiros Bomfim: Então, a OAB, sentindo o peso da derrota, ela se reorganizou, mudou seus métodos. Depois, se quiser, eu conto até a participação, a minha participação, ligeiramente, nestes dois anos de Ordem. Quando eu entrei no Conselho, como pertencendo ao grupo opositor, nós éramos vistos como marxistas que estavam infiltrados na Ordem. Então, encontrei eu, sem uma questão de modéstia, dos que entraram, eu fui, com Cândido de Oliveira Neto, um dos mais participantes, um dos mais ativos atuantes no Conselho. Eu, em primeiro lugar, eu vim, apurei que a Caixa dos Advogados tinha por função capitalizar seu patrimônio, aumentar seu patrimônio, e não prestar serviços ao advogado. Toda a arrecadação que tinha, ela convertia em imóveis para auferir os alugueres. E não prestava serviços à classe. Tinha, além de prestar, de, digamos, auxiliar alguns advogados miseráveis, uns poucos que pediam auxílio para sobreviver, ela tinha unicamente como benefício um consultório dentário que, posteriormente, até fechou, que funcionava lá no próprio prédio. Eu denunciei essa situação, era uma distorção completa: em vez de empregar o dinheiro que tinha e utilizar em benefício da classe dando realmente consultórios, assistência médica, publicando... Enfim, expandindo, criando, disseminando e beneficiando os advogados - sobretudo aqueles que mais necessitavam. Adquiriam imóveis... Bom, logo começaram, realmente, a empregar o dinheiro, os recursos lentamente, muito lentamente, em benefício da classe. Bem, isso não bastou. Mas não tem uma biblioteca. Não tem livros, só tem uns três ou quatro Códigos em cima da mesa... Não é possível, com os recursos que tem e tinha muito recurso. E não tem uma biblioteca. Aí, eu fiz uma indicação para que se criasse uma biblioteca. Foi aprovada rapidamente, o que eu 20
estranhei, porque tudo nosso era bloqueado. Está bem, ótimo! Está melhorando. Criada a biblioteca, ela nunca foi implantada até quando eu saí de lá. Mas nomearam o bibliotecário, que era filho do Presidente. Edna: Vai ver que foi por isso essa agilidade. Dr. Calheiros Bomfim: A Ordem não tinha um jornal de comunicação nem um boletim. Como é que se comunicava com a classe? Como divulgavam os atos, as resoluções? Marcelo: Era uma mera associação, e uma associação que não funcionava... Dr. Calheiros Bomfim: É. Os seus atos, as suas promoções, os seus feitos, digamos tudo aquilo que produzia. Eu fiz uma indicação, denunciando isso, que era preciso um órgão de divulgação - sobretudo num momento em que a imprensa, censurada, não divulgava nada. Justamente naquele momento mais necessário. Pelo menos, a Ordem divulgasse nesse boletim, nessa comunicação as suas atividades internas e, por isso, é claro, havia uma censura velada ao regime, haveria, né? Bom, houve uma oposição tremenda, e foi nomeado relator que era eu, e eu apanhava assinatura dos colegas da oposição. Eram sete, aliás, ficaram seis, por uma circunstância: um não quis tomar posse. Sabe por quê? O professor Roberto Lyra tornou-se [o] irmão do Ministro Militar da ditadura, que era Tavares Lyra. E, diante disso, o Tavares Lyra feito Ministro da Guerra, ele não tinha opção. Um dos dois tinha que se demitir ou, então, ele tinha que se acovardar. Aí, ele não tomou posse. Simplesmente não tomou posse. Edna: Só ficaram seis... Dr. Calheiros Bomfim: É. Bom, eu estava... Edna - O senhor estava comentando que o senhor pegava assinatura dos seus colegas... Dr. Calheiros Bomfim: Submetido ao Conselho a indicação 21
para criação de um órgão de divulgação, houve oposição cerrada. E o relator que mais se opôs, com fundamento no qual veio a ser rejeitada a indicação, chamava-se... Um grande jurista, que me parecia um homem muito liberal e independente, me surpreendeu: se opôs à criação do órgão de divulgação alegando que, no momento, era uma temeridade, e não havia condição, realmente, de publicar as atividades da Ordem porque a situação não comportava, o Regime... seria fechado o órgão e a Ordem provavelmente sofreria também as consequências. Bom, foi rejeitado o parecer, foi aprovado; contra, apenas os sete - aliás, já eram seis - os seis Conselheiros oposicionistas mais um da situação, que eu não me lembro quem foi. Curioso é que, quando na gestão seguinte, presidida pelo José Ribeiro de Castro - que fora candidato da chapa vencida na eleição anterior e que, então, estava designado que o vencedor seria o presidente. Ele, eleito nessa segunda vez, ele se tornou presidente da OAB. Veja bem, ele era situação àquela época, se tornou agora vencedor - vencida na eleição anterior à nossa - realmente, triunfou - ele foi tornado, desta vez, realmente o presidente. E, um dos primeiros atos dele... - surpreendente para todos que, ao ser vencedora a nossa chapa na eleição imediatamente anterior - segundo foi fidedignamente testemunhado - ele, ao saber da inesperada derrota, ele, que seria o presidente, ele bateu na mesa e disse: “A Ordem está perdida com um comunista como o Bomfim! Com a eleição de um comunista...” Marcelo: E o senhor não era comunista... Dr. Calheiros Bomfim: Não, comunista era todo mundo que se opunha ao regime, que criticava. Eu não pertencia ao Partido Comunista de forma nenhuma. Que eu tinha simpatias pelo Comunismo, eu tinha... Mas, ninguém, muita gente, ninguém sabia que eu era comunista. Eu não me apresentava como tal. Pois bem, ele assumiu a Presidência da Ordem. Sabe qual foi o 22
primeiro ato dele? Desengavetar a proposição que fora aprovada, mas não praticada e lançar o jornal que hoje se chama “A Tribuna do Advogado”, tomou esse nome. Essa é a origem. Eu não propus “A Tribuna do Advogado”, eu propus fosse lançado um órgão de divulgação. Ele pegou isso e deu o nome “A Tribuna do Advogado”. Então, foi um presidente bravo, destemido, independente - apesar de conservador. Enfrentou o regime de uma maneira altiva. Assim como foi Raymundo Faoro à época em que foi presidente do Conselho Federal. Essa foi um dos grandes imprevistos na vida corporativa. Brigou com o regime, que ameaçou fechar também o Conselho Federal. Procurava pessoalmente os presos políticos, embora raramente ou nunca tivesse acesso. Criticava os generais, ia conversar com eles duramente... Criticava o cerceamento, as prisões, a tortura... Tudo isso é verídico. Marcelo: Isso a partir de 68... Dr. Calheiros Bomfim: Por isso, hoje, justamente, merecidamente, tem o nome dele o salão da Ordem dos Advogados: é plenário Ribeiro de Castro. Edna: E o senhor conseguia conciliar o trabalho na OAB e o trabalho na advocacia, assim... Dr. Calheiros Bomfim: Eu sempre fui participativo, ativista. Houve época, quando eu fui Conselheiro da Ordem, me dediquei extremamente e isso prejudicava muito minha advocacia porque era dela que eu vivia. Conciliei o trabalho de Conselheiro Federal a que me dediquei, acho que nunca faltei a uma sessão, nem por doença - tanto lá como no Conselho Seccional. Consegui compatibilizar, na verdade com muito sacrifício, as duas atividades. Acho que estou ficando rouco... Edna: O senhor quer parar um pouquinho para beber água? Dr. Calheiros Bomfim: É, eu acho que sim. Edna: Eu gostaria que o senhor comentasse essa frase “A Justiça 23
do Trabalho tornou-se a justiça dos sem-trabalho”... Dr. Calheiros Bomfim: Bem, por que a Justiça do Trabalho se tornou a justiça dos desempregados, dos sem-trabalho? Muito fácil de explicar. Com a retirada da estabilidade do empregado, a adoção do Fundo de Garantia permitiu que os empregadores, os empresários remanejassem o seu quadro, a sua mão-de-obra ao seu arbítrio, à sua livre vontade. Com essa rotatividade, com essa facilidade, esse arbítrio de dispensa, todo empregado ficou privado da liberdade de postular seus direitos, de reclamar na Justiça do Trabalho. Por quê? Porque a reclamação, já que não havia garantia do trabalho, garantia de emprego, a reclamação importava simplesmente, inevitavelmente na dispensa dele, na perda do emprego. Com isso, só reclama na Justiça do Trabalho quem perdeu o emprego. Então, todas aquelas lesões, aquelas alterações contratuais, aquelas perdas de direitos, aquelas vantagens que os empregados tinham e sofreram corte, eles acumularam para reclamar na oportunidade de uma dispensa que viria mais dia menos dia. Daí, a Justiça do Trabalho está de tal forma que o juiz nem pergunta se ele ainda está trabalhando, se ainda está com o contrato em vigor. Porque ele já parte do pressuposto de, se está reclamando, é que já está dispensado. Agora, quem reclama sem que esteja com o contrato ainda em vigor? São poucos. São os empregados ligados ao serviço público, às empresas estatais, às empresas de economia mista. Fora isso, o trabalhador da atividade privada ele não tem liberdade de reclamar. Porque não é livre quem depende do básico para viver. Todos nós somos escravos das nossas necessidades. Nós precisamos sobreviver, nós temos necessidades materiais básicas, até alimentares como o empregador. Ele não é livre, ainda que não houvesse esse problema que eu acabo de relatar. Edna: Bom, agora a gente pode falar um pouco sobre o que o Dr. Guilbert falou sobre o senhor, o Marcelo vai... 24
Marcelo: Doutor Calheiros, o senhor falou agora sobre a sua atividade, sua militância como advogado trabalhista e falou também de um segundo aspecto, a sua participação na OAB. Só que tem mais um terceiro aspecto da sua vida profissional que, se o senhor pudesse nos descrever: é a sua vida de editor e de escritor, porque, parece que o senhor foi fundamental na criação de um corpus do Direito Trabalhista. Tem uma citação do Dr. Guilbert que é muito interessante: “A Justiça do Trabalho deve muito a Benedito Calheiros Bomfim porque ele, naquela época, na década de 50, o Direito do Trabalho era fechado, porque ninguém acreditava que ele florescesse. O Calheiros Bomfim criou uma editora trabalhista, que publicava acórdãos daqui e de todo o estado. Se fez uma comunicação entre os Tribunais. Ele passou a ser um instrumento dessa comunicação...”. Ele até cita o “Operário em Construção” do Vinicius: “Um fato novo surgiu, a todos admirável/ o que um operário dizia, o outro escutava”. O Senhor foi justamente esse instrumento de comunicação... Dr. Calheiros Bomfim: Realmente, eu cheguei agora há pouco, porque nunca me debrucei para evocar ou pensar no que produzi àquela época, eu cheguei à conclusão de que sou realmente um precursor da Advocacia Trabalhista. Quando da instalação da Justiça do Trabalho em 41 - como disse, na fase administrativa, - eu, por necessidade mesmo de ampliar minha atividade, com a expectativa de que isso ajudasse a minha subsistência, eu imaginei que poderia reunir, coletar, publicar e sistematizar a jurisprudência trabalhista - inexistente até então, porque era um órgão administrativo - e publicar em livros e, com isso, auferir, ajudar a minha manutenção, porque a advocacia trabalhista não permitia por si só a minha sobrevivência, já que eu tinha deixado o jornalismo. Então, publiquei, em 1945 - imagina, pela primeira vez -, um repertório de decisões trabalhistas compreendendo - o que é singular - a parte judicial, reunindo no mesmo livro a 25
parte judicial e a parte administrativa. A parte administrativa era muito importante àquela época, era muito importante porque, ao Ministro do Trabalho, Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, era dada competência de, por meio de um instituto que se chamava ‘avocatória’, reformar, anular ou reformar todos os julgados trabalhistas de todas as instâncias. Julgados já... Ainda que passasse a julgado, ainda que passasse a julgado não... porque tinha um prazo para avocatória. Então, ele tinha esse poder, esse arbítrio. Então, a jurisprudência administrativa era tão ou mais importante do que a jurisprudência judicial. Ou seja, a Junta do Conselho Regional do Trabalho (não era Tribunal, agora eu me lembrei...), o Conselho Nacional do Trabalho, ele reformava tudo isso: Juntas, Conselho, etc. Então, tornava-se mais importante. Até 46, quando sobreveio a Constituição. Reuni, então, dois livros, dois repertórios. A jurisprudência, que compreendia, de um lado, a judicial e do outro lado a administrativa do Ministro do Trabalho. Um foi de 45, outro, de 46 e, quando um terceiro repertório, já com o nome de “Selecionados Edições Trabalhistas”apareceu, editado em 1950 - até admira que eu ainda possa guardar essas datas... exatamente isso: 45, 46 e 50 - teve um pulo, porque no de 50, eu já reuni quatro anos anteriores de jurisprudência. Já jurisprudência judicial da Justiça do Trabalho como integrante do Poder Judiciário. E por que eu fui editor? Na década de 40, antes de eu fazer essas publicações, imediatamente antes, eu e alguns advogados trabalhistas - um pequeno grupo, advogados trabalhistas, naquela época você podia contar: 40, 60, 80, no máximo; isso, que faziam preponderantemente: que faziam complementarmente, subsidiariamente, talvez fossem uns 150... mas, que faziam preponderantemente, não passava disso - então, nós, advogados trabalhistas, sobretudo as lideranças - daqueles militantes mesmo, dos quais Alino da Costa Monteiro foi, 26
comigo, o maior incentivador disso - para suprir a inexistência da literatura trabalhista, que praticamente não havia, achávamos - pelo amor que a gente tinha ao Direito do Trabalho, pela omissão que havia dos Editores - nós achávamos que era indispensável, era útil, era incentivador ao Direito do Trabalho uma editora, a criação de uma editora trabalhista. Então, com a nossa inexperiência, entendemos de reunir os advogados trabalhistas do Rio de Janeiro - ainda me lembro até o número que nós reunimos: conseguimos agregar 156 advogados trabalhistas... Edna: Poxa... Dr. Calheiros Bomfim: ...156. Eram todos, até aqueles que raramente faziam advocacia, mas que... Edna: Mostravam interesse... Dr. Calheiros Bomfim: ...para nos atender resolveram subscrever, resolveram se associar, tornando-se sócios de uma sociedade, de uma editora trabalhista. Essa editora passou a se chamar “Edições Trabalhistas”. E, por ingenuidade nossa, nós - talvez também pelo número significativo de participantes, integrantes da sociedade - nós demos a ela o caráter de sociedade anônima... Então, ficou “Edições Trabalhistas S/A”, o que nos dificultou muito a vida, porque era uma ‘S/A’ - ela, própria - principalmente naquela época - era para empresas de grande porte. Mas, aí, começamos a editar os livros trabalhistas. Editei os meus primeiros livros - fora esses da época administrativa, eram outras editoras inclusive, a Editora Nacional de Direito - editamos os novos livros por “Edições Trabalhistas”. Principalmente os meus, que comecei a reunir, pela primeira vez, a jurisprudência dos Tribunais Regionais de todo o país, coletar, pesquisar a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que, àquela época, julgava as ações trabalhistas, que iam para lá, em recurso extraordinário, com muita frequência, enorme... Tanto que, era 27
tão comum, era tão presente esse sistema, essa atividade judicante trabalhista no Supremo Tribunal, que me ensejou publicar um alentado livro chamado “A Consolidação...” Um repertório intitulado “A CLT vista pelo Supremo Tribunal Federal”, em dois volumes. Um, de 600 páginas, mais ou menos, e outro de 300, 400 páginas. Imagine [inaudível]. Depois, isso se tornou excepcional. Edna: É. Mas isso foi bastante comentado pelo Dr. Guilbert, e um elogio à sua pessoa, porque ele considera o senhor como uma pessoa muito importante para a Justiça do Trabalho com esse trabalho que o senhor desenvolveu como editor... Dr. Calheiros Bonfim: Eu só vim me dar conta disso agora, quando fui escrever esse livrinho... Marcelo: ... o senhor ainda escreve, eu tenho visto textos do senhor na internet... Dr. Calheiros Bonfim: Mas, quanto à jurisprudência, eu só me conscientizei de que eu fui o pioneiro [agora]. Depois, apareceram outros repertórios. E até demoraram um pouco a aparecer. Mas a jurisprudência, os Tribunais não tinham uma, digamos assim, uma percepção nacional dos seus julgados. Quer dizer, um decidia sem que soubesse que o outro... Então, foi preciso essa uniformização para que realmente eles se conscientizassem da orientação dos demais órgãos judiciais deste Tribunal. Isso era, inicialmente: oito Tribunais Regionais; depois doze; e depois, cada estado ter seu Tribunal. Edna: O senhor comentou sobre as dificuldades da advocacia no período da Ditadura. Como o senhor viu a influência da Redemocratização do país na Justiça do Trabalho? Dr. Calheiros Bonfim: Olha, eu acho... nós sabemos que a classe dos advogados é uma classe conservadora. Os seus órgãos de regência não têm sido... É diferente... Veja a contradição! Mas... É uma classe conservadora. E, quando houve da Redemocratização, 28
evidentemente que alguns advogados já tinham se conformado, muito, com a situação, com o regime autoritário. Mas, quando houve... para isso, os advogados, a classe, e sobretudo a Ordem, trabalhou ativamente, se expôs, se empenhou, se engajou na Redemocratização. Principalmente na fase áurea dessa atividade, foi o Raymundo Faoro como presidente. Houve uma explosão de entusiasmo, de alegria, porque os advogados tinham saído à frente, em massa, sobretudo aquelas parcelas conscientes, à rua mesmo, para pedir, na rua, nos tribunais, forçando a abertura, para pedir a restituição dos predicados da magistratura, que vivia cerceada e impedida de apreciar todos os atos que envolvessem, que fossem ditados pelos Atos Institucionais. O restabelecimento do habeas corpus, o restabelecimento da independência dos juízes, e por aí vai. Então, houve uma explosão de alegria com a Redemocratização, que abriu, ao mesmo tempo, como não poderia deixar de ser, um campo, um mercado enorme para a advocacia, que vive realmente... cujo oxigênio, realmente, é a liberdade, é o pluralismo político e a abertura social. Edna: Eu vou concluir, você quer perguntar alguma coisa? Marcelo: Hum-hum. Dr. Calheiros Bonfim: Eu gostaria de falar ligeiramente da minha atuação no Conselho Federal da Ordem dos Advogados. Eu fui, por oito anos, não muito recentemente, de uns quinze anos pra cá, eu tive oito anos seguidos no Conselho Federal da Ordem, representando um estado que não era meu, representando o Estado do Mato Grosso do Sul. Lá eu tive uma atuação muito persistente. E, eu acho, que muito significativa. Quando entrei no Conselho Federal, a minha delegação, que era recém-criada, se tornou, sem dúvida, a mais liberal, a mais independente, a mais progressista. O Conselho Federal era um tanto fechado ainda, quando eu entrei, apesar de ter advogados atuantes, progressistas, com uma ótica social avançada. Basta 29
dizer que advogava a eleição direta para fins externos, e adotava internamente a eleição indireta. Como pode se compreender uma coisa dessas? Um discurso para fins externos, e outros discurso para fins internos. Imediatamente, a minha delegação, com a minha iniciativa, apresentou essa proposta. Porque a Ordem se lançou, foi pioneira, foi desbravadora na proposta de postulação de eleição direta no Brasil. Denunciando isso, eu fiz essa proposta. Nomeado relator, a Ordem engavetou; ou seja, a direção engavetou a proposta. Poucos anos depois, votou, adotou eleição direta interna. Então, democratizou-se realmente. Embora ainda haja certos problemas, que eu propus também, e não foram aceitos, de que cada estado representasse um voto, e não, cada delegação, representasse um voto. Porque, argumentava eu, os estados... veja bem, os estados maiores, preponderantes, com força econômica e com volume de advogados, com a pressão que faziam, se tornavam, como era verdade mesmo, se tornavam sempre, se elegiam sempre dirigentes máximos da Ordem: que era São Paulo-Minas Gerais, Minas Gerais- São Paulo, e às vezes um outro estado maior, Rio de Janeiro, que era raro. Então, adotaram realmente a eleição direta, mas ainda com essa impropriedade de um voto por delegação, no que resulta no maior prestígio, maior possibilidade, maior força dos estados que não têm maior delegação, mas que têm maior poder econômico, de propaganda. Porque hoje, o Conselho Federal, o candidato à Ordem, ele precisa ter, não apenas uma representação precisa ter uma cômoda situação econômica pra poder viajar, fazer propaganda em todos os estados. Antigamente dava-se facilidades para propiciar esse caminho, davam facilidades para as seccionais pequenas que tinham direito a voto, cada uma tinha um voto, dotando-as de sede própria, de aparelhamentos, de móveis, de condições materiais de bem exercer a sua função. E com isso 30
conquistavam o voto, evidente. Porque, quem estava no poder, conquistava o voto. Então, era uma facilidade total. Quem é que ia votar contra aquele que estava lhe dotando de sede própria. Facilidades, carteira, papéis, tudo isso? As seccionais eram paupérrimas. A Ordem cresceu, se agigantou. Adquiriu esse prestígio, esse poder agora. Bom, mas eu estava... Edna: O senhor estava falando da sua atuação enquanto conselheiro, representando o Mato Grosso, no Conselho Federal. Dr. Calheiros Bonfim: ...Que afinal eles arquivaram a proposta... Sim. Passamos a imprimir, eu, principalmente com Haddock Lobo, propusemos ao Conselho Federal também a edição de uma revista (veja o time dos jornalistas...), - [ havia uma] revista aquela editada pela Ordem, mas episodicamente - de uma revista regular, uma revista capaz de corresponder ao prestígio da instituição. Então, foi implementada, foi publicada uma revista, que se tornou regular, periódica. E tinha até um ementário de decisões do Tribunal de Ética do Conselho. Mas, falta, - não sei se interessa a vocês, eu me reportar ao Instituto dos Advogados, de que eu fui presidente - o Instituto dos Advogados, que era foco de conservadorismo, um reduto conservador, e por isso mesmo, eu sempre, apesar de ativista, eu me recusei a ir pra lá, a ingressar no Instituto dos Advogados, o que era um erro meu. Mas, um belo dia, o Eduardo Seabra Fagundes, na Presidência do Eduardo Seabra Fagundes, ele fez um discurso de posse, apesar de [ser] uma época de restrições, ele fez um discurso corajoso, embora muito hábil, que me interessou. Me encheu de simpatia e esperança, que me fez me aproximar e ingressar na instituição. E, nisso, antes, já tinha havido o discurso do pai dele, também na mesma linha, do Miguel Seabra Fagundes, - foi presidente antes dele, imediatamente antes, se não me engano. Eu, então, digamos, convencido por esses dois pronunciamentos, atraído por estes dois pronunciamentos, disse ao Seabra Fagundes: “Olha, 31
Eduardo, agora estou interessado em entrar no Instituto dos Advogados, depois do seu pronunciamento, e também da manifestação de seu pai na gestão anterior.” Ele me deu a proposta e eu subscrevi. De lá pra cá - isso foi em 75 - de lá pra cá, eu passei também a ser um ativista, muito atuante. [Pausa] Eu acho que estou exagerando, porque na minha idade não é fácil fazer esse esforço todo. Não pensem que não me custa fazer todo esse esforço, de evocação desses anos, de apelo a memória..., Mas estou contribuindo com um projeto muito útil. [Pausa] Dr. Calheiros Bomfim: No Instituto, como nas duas outras instituições, eu fui dos mais assíduos e dos mais atuantes; poucas vezes faltei à sessão nos primeiros doze a quinze anos. Até depois de deixar a presidência, eu raramente faltava à sessão. Passei a atuar no Instituto e, com isso, senti a necessidade de tentar fazer o que fizemos no Conselho Seccional da Ordem: pegamos um pequeno grupo, atuante já no Instituto, e que não entrou para esse fim, que já pertencia ao Instituto, eu senti que era aquele grupo mais aberto, melhor posicionamento sobre social; e combinamos de participar no sistema eleitoral, mas éramos um grupo muito pequeno. Mas, a diretoria, os que compareciam, começaram a sentir o peso da nossa atuação porque os demais compareciam eventualmente, apresentavam parecer, mas não apresentavam propostas substanciais de natureza social. Porque, como eu disse, havia um conservadorismo que formava o espírito da instituição. Aí, fomos ao candidato à presidência do Instituto - chamava-se... agora me deu um “branco”, era um criminalista conhecido - e propusemos a ele o seguinte: “nós queríamos integrar a sua chapa, participar e, com isso abdicaríamos, renunciaríamos ao nosso propósito de formar outra chapa”. Ele, talvez por surpresa nossa, superestimando porque viu a nossa atuação lá, [inaudível] formavam uma boa 32
parte do Instituto, subestimando [superestimando] a nossa força, ou por não querer correr nenhum risco, porque o interesse era que fosse chapa única, por isso mesmo concordou. Concordou e deu o posto de 1º secretário a Ivan Alkmin, que era um dos nossos principais aliados do grupo, um elemento importante do nosso grupo. Então, concorremos à eleição em chapa única É claro, fomos eleitos, é claro... Eleito no instituto, eu comecei a atuar tão intensamente como antes e, nosso grupo, nossa ala, nossos aliados cresceram substancialmente, porque nós pudemos fazer uma política admitindo sócios. O Instituto passou a interessar à classe, à comunidade jurídica e aumentamos muito o número de associados; então, nossa influência se fez sentir dentro do Instituto e passamos a competir nas eleições, em busca da alternância do poder. Pela primeira vez... Já havendo, pela segunda vez, duas chapas nossas - autônomas - pela primeira vez, (não, pela segunda vez...) tentamos novamente uma composição com um candidato que nós sabíamos que tinha largos conhecimentos, enormes possibilidades de eleição: chamava-se Carlos Henrique Fróes. E propusemos a ele a mesma coisa, a mesma composição - sendo que, desta vez, nós reivindicamos a vice-presidência, com o meu nome. Ele aceitou prontamente. Acontece o seguinte: ele pertencia à ala situacionista, que não queria essa composição e que tinha toda possibilidade de ganhar a eleição. Isso explodiu, soou como uma “ruptura”. A ala oposicionista formou a chapa dela, imagine você: ele, que poderia encabeçar outra chapa ou, pelo menos, ter uma posição relevante na outra chapa, resolveu fazer composição com a nossa e, com isso, abriu uma dissidência. Nós, então, integramos a chapa dele, Fróes, ganhamos a eleição pela primeira vez e derrotamos o conservadorismo, a outra chapa situacionista, que sempre venceu desde que o Instituto foi criado. O Instituto é hoje a entidade mais antiga do Brasil. Aí, entramos, assumimos o 33
poder. Assumindo o poder, elegemos as chapas sob a presidência do Ricardo Pereira Lyra, Haddock Lobo primeiro, depois Ricardo Pereira Lyra. Terminada a gestão do Ricardo Pereira Lyra, o Ricardo disse: “Bomfim, agora você será presidente”. Eu disse: “-Não, eu não quero. Um advogado trabalhista assumir a presidência de um instituto conservador, que possui em seus quadros uma pequeníssima parcela de advogados trabalhistas, eu não sou conhecido, não tenho esse prestígio, aqui sempre dominou advogado civilista” - o que tinha sido verdade, com exceção do Eugenio Roberto Haddock Lobo, que era um homem que tinha sido presidente da Seccional e com um prestígio enorme. O Ricardo disse: “-Olha, não vai ser fácil porque nós não temos outro nome”. Eu disse: “-Tem nome sim. Vamos procurar o Ministro Evandro Lins, que é sócio do Instituto e pode ser presidente, é um nome vitorioso, imbatível.” “-É mesmo, vamos lá”. Nos reunimos na casa do Ricardo com o Evandro, e o Evandro disse, e o nosso grupo estava presente: “Como vai ter competição, e o competidor, o candidato da situação...” ... não disse isso... “Como vai ter competição...” E ele já sabia que o candidato era o Célio Borja. O candidato da situação era o Célio Borja... Não era o candidato da situação: era o candidato da outra chapa, porque nós tínhamos nos tornado situação. O candidato da outra chapa é Célio Borja; ele sabia, porém não falamos do Célio Borja. Ele disse: “Vocês me dão quinze dias para eu pensar”. Aí, passados os quinze dias, nós telefonamos e ele disse, franca e sinceramente: “Olha aqui, com a minha posição de ex-Ministro do Supremo... Edna: Gostaria que o senhor repetisse aquilo que falou a pouco sobre a indicação do Süssekind... Dr. Calheiros Bomfim: Sim, um homem de prestígio nacional... aí, fomos à casa do Süssekind ou telefonamos para ele, não tenho bem certeza... fizemos o mesmo apelo a ele, porque nós não 34
tínhamos um nome, ainda que tivéssemos, o dele seria o melhor. Ele também pediu tempo. Ele pediu tempo e recusou. Aí, nós nos reunimos. Agora, já éramos um grupo grande. Nós tínhamos adquirido uma força, expandido muito... éramos o setor, talvez, majoritário mas nunca tínhamos garantia porque o Instituto era nacional, aqui nós éramos majoritários. Aí, o Ricardo Pereira Lyra disse numa reunião: “Bomfim, ou você aceita essa candidatura ou nós vamos entregar “de bandeja” o Instituto à oposição! Não tem nome!” Um advogado presente, meu amigo, não vou dizer o nome, disse: “Não façam isso! Vocês vão queimar o Bomfim! Não estão vendo que ele não tem possibilidade de vencer essa eleição?” Então, íamos entregar “de bandeja” se fosse escutar esse colega, grande amigo. Ele fez isso realmente para não expor o meu nome, ele chamava “queimar”, expor o meu nome, se sujeitar a uma derrota certa. Eu disse: “Olha, se vamos perder de qualquer modo, eu não me importo de perder, não tenho aspiração, sei que não vou ganhar, mas não se pode deixar de lutar! Como é que vamos entregar, fazer o que nós fizemos anos a fio para chegarmos ao poder? Edna: Entregar assim... Dr. Calheiros Bomfim: Então, deixem... isso para mim não me diminui, isso para mim não me envergonha, isso é da luta. Eu acho que a vergonha sem merecimento é não lutar, não é não vencer. Tudo bem. Então, foi aceito, uma alegria enorme... É claro. Ninguém esperava realmente um desempenho ou uma perspectiva de vitória da nossa corrente. Bom, fizemos o impossível e nos desdobramos nesse tempo. Célio Borja lançou-se candidato oficialmente, mas todo mundo sabia que o candidato era ele porque se comentava. Feita a eleição, procedida a apuração ainda fizemos um esforço enorme porque sabíamos das dificuldades: editávamos jornal, boletim. Na época, foi a eleição mais movimentada na história 35
do Instituto. O Instituto cresceu porque a instituição só tem nome - cresce o nome de qualquer instituição - exatamente no seu momento áureo que é a disputa do poder, a eleição. Você vê, se você olhar bem, a instituição se projeta justamente no momento da luta pela disputa, pela alternância do poder. Então, realmente foi uma coisa surpreendente a eleição: número de comparecimentos, [inaudível], jornais, entrevistas de lado a lado... eu, simples advogado trabalhista, quando veio a apuração foi uma surpresa espantosa para todos, para nós mesmos - como foi surpreendente na hora! A maioria alcançada pela nossa chapa foi uma coisa tão surpreendente que o Célio Borja, candidato à presidência, interrompeu a eleição já quando estavam em mais de dois terços para, elegantemente, de uma maneira sobranceira, reconhecer a vitória da nossa chapa. E assim foi que eu fui guindado à presidência do Instituto. Edna: Quero agradecer ao senhor... Dr. Calheiros Bomfim: Você não queira saber como eu me sinto gratificado, realizado, confortado quando dou, a mínima que seja, contribuição à corporação, à Ordem, à classe, porque sei que com isso a gente está servindo também ao país. 36
CRÉDITOS: Presidente: Desembargadora Edith Maria Corrêa Tourinho Coordenadora da Comissão de Gestão de Memória: Desembargadora Claudia Maria Samy Pereira da Silva Diretor da Secretaria Geral Judiciária: Fabio Petersen Bittencourt Equipe de entrevistadores da Secretaria de Gestão do Conhecimento: Edna Maria de Aquino Mendes e Marcelo Barros Leite Ferreira. Equipe de Web Design: Marcelo Mesquita e Amanda Cardozo 38
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